Violência de gênero e LGBTfobia na cidade de São Paulo

Em 28 de junho de 1969, policiais à paisana invadiram o bar Stonewall, em Nova York, para reprimir e prender os frequentadores do local, um conhecido refúgio da comunidade LGBTQIA+. Naquela época, a homossexualidade era proibida em vários estados americanos. A repressão era pesada e a intolerância corria solta. Mas naquele dia foi diferente.

Apesar de muitos gays, trans e drags serem presos, a reação aos policiais foi violenta. A resistência acabou em briga e agressões físicas. Nos dias seguintes, vários atos de protesto tomaram as ruas da cidade. E, um ano depois, no mesmo 28 de junho, milhares de pessoas foram às ruas de Nova York para reivindicar direitos básicos, em manifestação que começou na frente do Stonewall. Assim nascia o Dia Internacional do Orgulho Gay – ou do Orgulho LGBTQIA+, como é chamado atualmente.

Hoje, 55 anos depois, avanços importantes foram conquistados, inclusive no Brasil. Isso é inegável. Mas também é inegável que a homofobia, o preconceito e a intolerância continuam deixando marcas profundas na população LGBTQIA+. A violência é diária e se manifesta de diferentes formas. Em alguns lugares, apesar dos avanços e conquistas recentes, a hostilidade aumentou. É o caso da cidade de São Paulo.

No mês passado, o Instituto Pólis divulgou um relatório inédito que fala sobre isso:

  • As notificações de violência contra a população LGBTQIA+ registradas nos serviços de saúde cresceram 970% entre os anos de 2015 e 2023, na cidade de São Paulo. Nesse período, os serviços de saúde da capital notificaram 2.298 casos.
  • Cerca de 45% dessas ocorrências são resultantes de violências físicas, mas houve relatos também de violências psicológicas (29%) e sexuais (10%). E quase metade (49%) delas ocorreu dentro de casa.
    De cada dez vítimas de violência LGBTfóbicas, seis foram agredidas por familiares ou pessoas conhecidas.
  • O estudo também considerou os boletins de ocorrências registrados pela Polícia Civil. Neste caso, as agressões subiram 1.424% entre os anos de 2015 e 2022, totalizando 3.868 vítimas.

Você confere o relatório sobre Violência LGBTfóbica na Cidade de São Paulo aqui.

Dados do Mapa da Desigualdade de São Paulo mostram que os distritos centrais registram o maior número de notificações – a fonte é a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Os lugares mais violentos, pela ordem, são os seguintes: Barra Funda, República, Sé, Brás e Pari.

Abaixo a lista de todos os distritos:

Mapa da Desigualdade 2023 – Coeficiente de pessoas vítimas de violência homofóbica e transfóbica para cada cem mil habitantes, por distrito

Mesmo em relação às outras capitais, São Paulo também se destaca negativamente. Só Rio Branco tem mais casos de violência contra a população LGBTQIA+ do que a capital paulista (Mapa da Desigualdade entre as Capitais 2023). 

O cenário da capital também se reflete por todo o país. Os dados da pesquisa Desigualdades divulgados em 2023 pelo Instituto Cidades Sustentáveis revela que quase metade da população brasileira declara que já sofreu ou viu alguém sofrer preconceito em função da sua orientação sexual ou identidade de gênero, em especial, em espaços públicos.

A pesquisa também aponta para os caminhos que deveríamos seguir. 64% concordam totalmente ou em parte que aumentar a representatividade das pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ na política e em cargos de poder contribui para diminuir as desigualdades estruturais.

Mas como enfrentar a LGBTfobia? 

Apesar dos desafios estruturais que envolvem aspectos morais, religiosos e culturais, é possível que governos, empresas e cidadãos possam contribuir de alguma forma para enfrentar o problema.

Representação política

A legislação é um instrumento básico e fundamental para coibir o preconceito. A homofobia se tornou crime no Brasil em 2019, mas muitas tentativas de aprovar projetos de lei no Congresso Nacional fracassaram antes disso. A conquista de direitos só aconteceu por meio de decisões judiciais, como a que equiparou a homofobia ao crime de racismo (a decisão foi do STF). 

Aumentar a representatividade LGBTQIA+ nos cargos públicos é uma forma bastante efetiva de garantir direitos básicos para essa população. Considerando todos os cargos de Legislativo, Executivo, todos os níveis federais, município, Estado e União, que são resultantes de eleições, LGBTQIA+ ocupam só 0,16% dos cargos políticos.

Dados da população LGBTQIA+

A falta de dados sobre o tema é um dos grandes gargalos atualmente. As fontes geralmente são o DataSUS (indicadores que mostram o número de atendimentos nos serviços de saúde, incluindo de saúde mental) e as secretarias de segurança pública (por meio dos boletins de ocorrência). Ainda assim, os dados entre essas duas fontes são discrepantes, e o próprio relatório do Polis deixa isso bem claro. Mais: não existem estatísticas precisas de quantas pessoas se autodeclaram como LGBTQIA+ no Brasil, porque os dados não são devidamente tratados nos censos do IBGE e em nenhum outro sistema de coleta de informações. 

Conscientização, inclusão e diversidade 

Campanhas de conscientização também funcionam e são importantes. Elas devem ser permanentes, e não pontuais. Qualquer pessoa pode e deve denunciar situações de preconceito, e não apenas as próprias vítimas. 

No ambiente corporativo, as ações começam pelas políticas de contratação e vão até programas específicos de inclusão para a população LGBTQIA+. Há avanços nesse sentido nos últimos anos, mas as ações ainda são modestas. Quando muito, a igualdade aparece apenas nos códigos de conduta de algumas corporações. 

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