Candidatas(os): faz sentido perder quase 3 horas por dia no trânsito?

Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis (artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 25 de setembro de 2024)

Quanto tempo você dedica por dia para suas relações de afeto com companheiros(as), filhas(os), parentes e amigas(os)? E para os cuidados com o corpo, aprendizado, cultura e lazer? Provavelmente bem menos que as quase três horas gastas no trânsito pelos moradores e moradoras que utilizam transporte público em São Paulo.

Estas horas desperdiçadas todos os dias em ônibus, trens e metrô (2h47) começam com uma longa espera nos pontos e terminais, continuam em veículos lotados e terminam em uma longa viagem diária, de ida e volta, na qual é difícil utilizar o tempo para outras atividades. Em resumo, quem mora em São Paulo passa um mês por ano no trânsito.

Para quem tem condições e opta pelo conforto dos automóveis, o tempo gasto também é grande, de 2h28 por dia, na média.

É importante lembrar que a qualidade ruim do ar em São Paulo, que afeta a todos, tem a ver com uma frota de 13 mil ônibus movida a diesel. A partícula fina do diesel é a responsável por milhões de pessoas acometidas por doenças respiratórias, sendo que a transição para uma frota livre do combustível fóssil avança de forma absurdamente lenta: temos somente 380 (3%) ônibus movidos a energia elétrica.
As limitações de renda também se refletem na mobilidade: quatro em cada dez pessoas deixam de visitar parentes e amigos devido ao custo das passagens. Faltam pesquisas para fazer a relação entre ansiedade e falta de afetos.

Este é o retrato da mobilidade em São Paulo, a maior e mais rica cidade da América do Sul, revelado na pesquisa lançada nesta última semana pela Rede Nossa São Paulo e realizada pelo Ipec.
Pouco mais da metade da população se utiliza de transporte coletivo (ônibus, metrô e trem) e quase um quarto prefere os automóveis.

No último ano houve um aumento na utilização de automóveis por aplicativo, de 3% para 5%, e a utilização de táxi ficou estável, com 2%.

Quanto à mobilidade ativa, quase 10% se locomovem exclusivamente a pé todos os dias, e somente 1% de bicicleta. A insegurança e a péssima condição das calçadas são responsáveis pelo reduzido número de pessoas que caminham e pedalam pela cidade. Sem esquecer de mencionar o absurdo da lei que deixa as calçadas sob responsabilidade dos proprietários dos imóveis, o que impede uma padronização de qualidade.

Em 2014, há exatos 10 anos, o tempo médio de deslocamento na cidade era praticamente o mesmo, o que prova a incapacidade da gestão pública em resolver o problema e priorizar o investimento na infraestrutura, pois falta coragem de tomar decisões que contrariem os interesses de empresas que dominam o transporte coletivo.

Neste mesmo período de dez anos de uma São Paulo engarrafada e imobilizada, Paris conseguiu reduzir drasticamente a utilização de automóveis, para só 4% da população, com a combinação de medidas restritivas e alternativas de mobilidade; triplicou a utilização de bicicletas e a locomoção a pé tornou-se o meio de locomoção mais adotado na capital francesa, que oferece calçadas largas, bem pavimentadas, sinalizadas e sem obstáculos.

Além de ações diretamente relacionadas com a mobilidade, outras de planejamento urbano podem influenciar na solução do problema. Trazer pessoas para ocupar os 40 mil imóveis vagos no centro da cidade e criar um plano para levar emprego e acesso a serviços para as periferias muito pode contribuir para que as horas economizadas sejam empregadas no que realmente interessa na vida: na qualidade de nossas relações, aprendizados, lazer e cultura.

Seguir o dinheiro, para onde estão indo os investimentos, é uma boa forma de identificar as prioridades de uma prefeitura. No último ano, mais de três bilhões, ou um quarto do investimento na cidade, foram destinados à pavimentação e recapeamento de ruas. Enquanto isso, só foram executados 4 km dos 40 km de corredores de ônibus prometidos no plano de metas da gestão, fundamentais para a melhoria e fluxo dos ônibus. São estes desvios de prioridades que ajudam a explicar a paralisação da cidade no que diz respeito à mobilidade.

O tempo passa, atravessa diferentes administrações, e seguimos atados a uma lógica que não enfrenta o interesse privado e que inviabiliza a melhoria do sistema como um todo. É necessário desprendimento para enfrentar grupos que atuam com visão de curto prazo e limitada a seus negócios, em detrimento da maioria da população.

A eleição é um momento importante para identificar quem tem planos para a mobilidade, quem tem a coragem para defender o interesse coletivo e melhorar significativamente um tema que toca, como poucos, na vida de todos nós: o cuidado com o tempo, que não podemos comprar e nem recuperar.

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