Com crise, cai número de alunos na rede particular de ensino superior no País

Pela primeira vez, desde 1991, as instituições particulares não tiveram aumento de matrículas

Isabela Palhares e Luiz Fernando Toledo, O Estado de S. Paulo

Pela primeira vez em 25 anos, o número de alunos na rede particular de ensino superior caiu no Brasil. Em 2016, as instituições privadas – que respondem por 75,3% das matrículas nessa etapa de ensino – tinham 6,05 milhões de matriculados, ou 16,5 mil estudantes a menos do que no ano anterior. A queda resultou em uma estagnação no volume de estudantes em faculdades e universidades do País. 

Também caiu, pelo segundo ano consecutivo, o total de novos alunos em cursos presenciais. Em 2016, ingressaram 2,14 milhões de alunos, 4% a menos do que no ano anterior – acumulando, desde 2014, uma perda de 10,1% de novos estudantes. Especialistas atribuem a queda à redução dos contratos do Financiamento Estudantil (Fies) e à crise, e o ministro da Educação, Mendonça Filho, apenas à retração econômica. 

Os dados constam em relatório do Censo da Educação Superior 2016, divulgado nesta quinta-feira pelo MEC. No ano passado, o País tinha 8,05 milhões de alunos em cursos superiores (presencial e a distância; ensino público e privado), 0,2% a mais que em 2015, quando eram 8,03 milhões de matriculados. Em relação às novas matrículas, a estagnação registrada em 2016 indica o pior cenário desde 1992, quando havia 1,53 milhão de alunos no ensino superior. De 1992 a 2015, a média de crescimento foi de 7,5% ao ano.
 

A última vez em que as instituições particulares perderam alunos foi em 1991, quando somente a rede particular registrou aumento nas matrículas. Agora, a queda de ingressantes foi puxada pela redução de novos alunos nos cursos presenciais particulares. 

Já as universidades públicas mantêm praticamente estável o número total de alunos, com 1,99 milhão de matriculados no ano passado – aumento de 1,9%, em relação a 2015. No entanto, a rede pública registrou queda de 0,9% no número de ingressantes em cursos de graduação, com 529,5 mil novas matrículas em 2016, um total de 4,8 mil a menos do que no ano anterior.

A queda deixa o País ainda mais distante de atingir a meta do Plano Nacional de Educação, que prevê elevar a taxa líquida de matrículas nessa etapa para 33% da população de 18 a 24 anos – em 2015, apenas 18,1% das pessoas nessa faixa etária estavam no ensino superior.
 

Para o sociólogo e consultor da CM Consultoria Carlos Monteiro, a queda era esperada e pode ser ainda maior em 2017. “A crise faz com que os jovens desistam ou, por medo de perder o emprego, nem tentem cursar uma graduação.”

Marcos Vinicius dos Santos, de 19 anos, concluiu o ensino médio em 2015 e queria entrar em Medicina, mas não conseguiu vaga nas universidades públicas nem podia arcar com mensalidades. “Não desisti, mas tenho de trabalhar para me sustentar. Me sinto desamparado, só vejo cortes na educação e nenhuma ajuda para os alunos.”

Santos, que fez o ensino médio como bolsista em uma escola particular em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, trabalha atualmente como cuidador de idosos. Ele disse que está guardando dinheiro para fazer cursinho pré-vestibular no ano que vem. “Já me roubaram o sonho de ser médico uma vez, porque para muita gente é impossível um menino de comunidade pobre fazer Medicina. Mas eu vou conquistar meu sonho.”

Fies

A diminuição de matrículas ocorreu ao mesmo tempo em que o governo federal restringiu o acesso ao Fies, colocando como regra, por exemplo, a exigência de nota mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e teto de renda para os candidatos. Em 2016, foram 203,5 mil contratos firmados. O número caiu desde 2014, quando foram 732,7 mil. “É um reflexo nítido de crise econômica, aumento do desemprego e diminuição drástica do Fies. Esse cenário mostra que o País não tem política pública para o ingresso no ensino superior”, disse Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes). 

Para Rodrigo Capelato, diretor do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), a perspectiva para os próximos anos é ainda pior. “A economia não dá indícios de melhora significativa e, em termos de programa social, o Fies, que já foi reduzido, deve ser ainda menor com as novas regras.”

Distância

O aumento de ingressantes nas graduações a distância segurou a queda de novos alunos no ensino superior. A modalidade teve alta de 21,4% nas novas matrículas, passando de 694,5 mil em 2015 para 843,1 mil em 2016. Os ingressantes que optam pelo ensino a distância são 28,2% do total – em 2006, a proporção eram 10,8%. “Esses cursos não são contemplados pelo Fies e têm público em uma faixa etária mais velha. O prejudicado foi aquele jovem que terminou o ensino médio e queria ingressar em uma graduação presencial”, disse Caldas.

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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