Eixo sobre segurança é entrave do programa de Doria na cracolândia

JULIANA GRAGNANI, DE SÃO PAULO, E EDUARDO SCOLESE, EDITOR DE "COTIDIANO" – FOLHA DE S. PAULO

A gestão do prefeito João Doria (PSDB) encontra na segurança seu principal entrave no planejamento do futuro programa de tratamento a usuários de drogas na cracolândia, o Redenção. As instâncias municipais que discutem o plano ainda não entraram em um consenso em torno desse eixo.

Em reunião terça (21) no Ministério Público Estadual, a gestão municipal apresentou um projeto sem a Polícia Militar como um dos mecanismos para lidar com esse cenário na região da Luz, no centro de São Paulo, onde há venda e consumo de drogas.

O projeto anterior, segundo o promotor Arthur Pinto Filho, indicava a tropa de choque como um dos atores do Redenção. Com a retirada da tropa do projeto, a prefeitura deve trabalhar mais com a GCM (Guarda Civil Municipal). Mas questões importantes como a do tráfico, que opera uma feira livre de drogas na área, e a de como a guarda lidará com o usuário e o diferenciará do traficante ainda não estão definidas.

Os eixos de saúde e assistência social já estão prontos. A primeira medida será entrevistar gradualmente os frequentadores da região –são cerca de 500. Isso por meio do revezamento de equipes formadas por 12 agentes municipais e estaduais.

Com esse perfil traçado, o usuário será conduzido a dois caminhos diferentes: o de moradia, conceito que existia no Braços Abertos, da gestão Fernando Haddad (PT), ou o de internação, que existe no Recomeço, do governo estadual de Geraldo Alckmin (PSDB).

Caso o usuário e os agentes do programa avaliem que a internação é a alternativa adequada, o usuário será internado, em princípio, em leitos psiquiátricos do Estado.

O conceito de redução de danos, sobre o qual se apoia o programa de Haddad, foi incorporado ao projeto de Doria: usuários poderão ter moradia –agora sempre longe da cracolândia e próxima aos Caps (Centros de Atenção Psicossocial)– e trabalho, agora em empresas privadas.

Veja o especial "Descaminhos da cracolândia"

A oferta de trabalho, no entanto, será direcionada a usuários quase abstinentes, exigindo a autonomia antes do serviço nas empresas. É o contrário do que acontece no Braços Abertos, em que o trabalho é oferecido aos dependentes como forma de dar-lhes autonomia, uma das bases do conceito de redução de danos.

A prefeitura também pretende construir um Caps na cracolândia. Tanto esse serviço quanto o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), estadual, poderão ser portas de entrada para internações. Mas, como ocorre hoje, nada impede que o usuário que tenha moradia e trabalho também faça tratamento em um desses serviços. A longo prazo, a gestão Doria cogita criar um CEU (Centro Educacional Unificado) ali.

Nesta quinta (23), o Estado inaugura uma casa de passagem para usuários no bairro de Santa Cecília (centro).

A gestão tem se reunido com promotores para alinhar as diretrizes do programa –o órgão abriu procedimento administrativo no qual apontaram "inconsistências" e "falta de referencial teórico" no Redenção. Mas, para o promotor Arthur Pinto Filho, um dos autores do documento, "o projeto apresentado agora melhorou muito" e "a prefeitura está aberta ao diálogo".

Representantes de entidades de direitos humanos reclamam de não terem sido consultados. Para Nathalia Oliveira, presidente da atual gestão do Conselho Municipal de Política de Drogas e Álcool, "a prefeitura só entrou em contato por causa da intervenção do Ministério Público".
 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo

 

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