Estado calcula taxa de homicídios fora do padrão mundial

OMS, ONU, FBI e União Europeia afirmaram considerar vítimas, e não casos de homicídios

POR ANDRÉ MONTEIRO E ROGÉRIO PAGNAN – FOLHA DE S. PAULO

A metodologia usada pelo governo paulista para calcular a taxa de homicídios do Estado não segue padrões usados por outros Estados do país e os recomendados por organismos internacionais.

Ao divulgar as estatísticas de 2015, a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) destacou que "a relação de mortes intencionais por grupo de 100 mil habitantes foi de 8,73". Apesar de a divulgação falar em mortes, a taxa é calculada com base no número de casos, e não de vítimas —cada registro pode ter mais de um morto.

Do ponto de vista da organização policial isso pode fazer sentido porque a investigação de uma chacina, por exemplo, é única. Mas ao usar este critério para calcular a taxa, os indicadores de SP deixam de ser comparáveis aos divulgados por outros locais.

A Folha consultou entidades como OMS (Organização Mundial da Saúde), UNODC (Escritório da ONU sobre Drogas e Crime), EuroStat (agência estatística da União Europeia) e FBI (polícia federal dos EUA). Todas responderam que consideram a quantidade de vítimas, e não de casos, para calcular a taxa de homicídios.

Além disso, a maioria dos órgãos considera no cálculo outras mortes violentas intencionais, como latrocínios (roubos seguidos de morte).

Seguindo esse padrão, São Paulo teria encerrado 2015 com taxa de 10,03 -maior que a divulgada, mas, mesmo assim, em trajetória de queda nos últimos anos.

"O que São Paulo faz é calcular uma taxa de boletins de ocorrência, só que chama incorretamente de taxa de homicídios", diz Julio Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomenda um padrão de também incluir na taxa as mortes decorrentes de intervenção policial.

Cada Estado segue uma regra, mas os dados já são apresentados dessa forma, por exemplo, no Distrito Federal.

Por este método, a taxa paulista seria de 11,92 mortes por 100 mil habitantes e a média nacional, de 28,85 (dado de 2014, último disponível).

"Ao usar os casos, São Paulo olha para o crime, não para a violência", afirma Renato Lima, vice-presidente do fórum de segurança pública.

ZONA EPIDÊMICA

Pelos métodos desses órgãos, São Paulo ainda estaria na chamada "zona epidêmica" de homicídios, definição usada nos últimos anos em divulgações do governo para se referir à taxa acima de 10 mortes por 100 mil habitantes.

Desde meados de 2008, quando a contabilidade oficial começou a aproximar São Paulo desse índice, essa classificação tem sido usada pelo Estado -e atribuída à OMS. Especialistas, imprensa (incluindo a Folha) e até relatórios do Pnud (programa da ONU para desenvolvimento) passaram reproduzir a ideia.

Questionado sobre esse assunto, a OMS negou adotar a classificação de "zona epidêmica" de homicídios. "Não sei de onde surgiu essa ideia", afirmou Alexander Butchart, coordenador de Prevenção à Violência da organização.

O escritório brasileiro do Pnud disse que a atribuição do termo à OMS foi um erro, mas que considera a taxa de 10 mortes por 100 mil habitantes como "limite aceitável".

O QUE DIZ O GOVERNO

A Secretaria da Segurança disse adotar "critério internacionalmente reconhecido de número de ocorrências por 100 mil habitantes". "Essa metodologia é adotada em todos os Estados brasileiros desde 2001 e na maioria dos países, sendo, igualmente, o critério adotado pelo FBI."

O FBI informou à Folha usar a quantidade de vítimas, e não de casos, para calcular a taxa de homicídios.

Nesta quinta (25), o secretário Alexandre de Moraes disse que os dados brutos de casos e vítimas são divulgados —e que a taxa pode ser calculada pelos interessados. "É muito simples: nós temos o número de vítimas, basta dividir pelo número de 100 mil habitantes que vai chegar que no número que quiser."

Ele deu versão diferente da nota oficial em relação aos outros Estados. Disse que, das 27 unidades da Federação, 22 não calculam oficialmente a taxa de homicídios.

A secretaria diz ainda que não inclui as mortes causadas pela polícia na taxa de homicídios pois é a metodologia utilizada pela "grande maioria dos países".

Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.
 

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