Financiamento de campanha por empresas é corrupção legalizada, diz Oded Grajew

Por Amélia Gonzalez, da coluna Nova ética social, do G1

 

Vinte e nove das cem mais importantes entidades econômicas mundiais eram empresas no ano 2000, diz um estudo da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). As outras, eram países. Esse cálculo não foi feito apenas comparando os PIB e os números de negócios das empresas, e significa dizer o seguinte: no início do século, uma empresa como a Exxon Móbil, cujos ativos atingiam 63 bilhões de dólares, representava um poder econômico equivalente ao do Chile ou do Paquistão.
 
Com base nesses números, Vincent de Gaulejac,  autor de “Gestão como doença social” (Editora Ideias & Letras), se inquieta com tanto poderio econômico em mãos privadas e se pergunta: “Quem controla as multinacionais?”.
 
Exatamente nesse ponto, interrompi a leitura desse excelente livro para entrevistar Oded Grajew, que conseguiu uma brecha na agenda da articulação no Movimento Nossa São Paulo atendendo ao meu pedido. Oded é hoje ainda o presidente do Conselho do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e não perde uma boa oportunidade para debater e defender um tema que vem repetindo como mantra na última década: o financiamento de campanha por empresas privadas. Para ele,  não em todos, mas na maioria dos casos, esta é uma corrupção legalizada.
 
– Posso assegurar que 90% das empresas financiam campanhas porque, a partir daí, elas têm controle sobre quem financiaram e procuram tirar vantagens privadas  — disse-me ele.
 
Faço imediatamente o link com a inquietação que acabei de ler no livro. Afinal, quando voto escolho um candidato político, não uma empresa, não um conjunto de acionistas que nem conheço. Mas, com tanto poder econômico e uma relação tão próxima aos políticos, claro que as empresas acabam manipulando para que se façam leis, projetos, obras… O sociólogo francês, cujo livro debate sobre a obsessão pelo rendimento financeiro em tudo o que nos rodeia,  atualmente leciona na Universidade de Paris e dirige o laboratório de Mudança Social da instituição.
 
Bem, voltando um pouco nessa história, é importante dizer que eu pedi para conversar com Oded Grajew quando, na semana passada, li notícia de que o STF está julgando uma ação proposta pela OAB justamente sobre a inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais  por empresas privadas.  Quatro dos juízes, segundo a reportagem, já teriam  votado a favor da Ordem. Desde que, como editora do “Razão Social”, passei a acompanhar o trabalho do Ethos, ouço Oded explicar seu raciocínio sobre o assunto, por isso sempre me lembro dele quando leio a respeito . De maneira clara, contundente, Oded afirma que as corporações  não financiam candidatos “pelos seus lindos olhos azuis, e sim porque têm um interesse específico”.

 
Vindo de quem vem, essa advertência ganha cores bem fortes. Há quase trinta anos, Oded Grajew senta-se à mesa com empresários para discutir o papel das corporações na sociedade. Em 1987 participou da criação do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e depois, em 1998, esteve à frente da criação do Instituto Ethos. É com base nas argumentações que ouve durante os debates que ele dispara:
 
– É só sugerir para algum empresário que diminua o gasto com o financiamento de campanhas e aumente o investimento no social para que ele diga um sonoro não. Isso está errado. Se quiser ir mais fundo, pegue a lista oficial das empresas que financiam campanhas e repare: a maior parte delas tem muita dependência das políticas públicas, como fornecedores ou de setores que têm articulação importante de parte do governo.
 
E mais: por trás da maioria dos escândalos  envolvendo corrupção aqui no Brasil tem sempre o financiamento de campanha, garante ele. A conclusão que Oded tira é bastante lógica. Segundo ele, os políticos sabem que, para se candidatarem a qualquer coisa, precisam de dinheiro. Isso faz com que eles fiquem a serviço de quem lhes financia para que se candidatem e se elejam. Troca de favores, toma lá, dá cá. Ora, alguém duvida que isso ocorra com frequência?
 
– Os pobres, a classe média, ficam de fora desse jogo porque não conseguem financiar ninguém. Isso, para mim, é o câncer de nossa democracia, a causa de tanta desigualdade – completa o empresário.
 
Bem a calhar, estou no ponto do livro em que o sociólogo francês debate sobre o processo do poder dentro das multinacionais. E lembra que “as decisões escapam ao debate público, ao passo que elas têm efeitos diretos sobre a sociedade. Os políticos se mostram impotentes para controlá-las.”
 
Oded já ouviu muitas críticas ao seu pensamento. Quem  prefere que tudo fique exatamente como está diz que, se proibir o financiamento de campanha por empresas, o dinheiro vai acabar sendo passado de maneira clandestina, por debaixo dos panos, como “caixa dois”.  Contra isso, a proposta de Oded é que o financiamento público de campanha seja feito às claras:
 
– Eu sugiro que todo candidato seja obrigado a colocar suas contas de campanha na internet diariamente para que todo mundo possa acompanhar. Cada candidato vai ter o mesmo valor, o que será um avanço democrático tremendo. E mais: a punição tem que ser rigorosa, muito rigorosa. Se o candidato for flagrado com financiamento por fora, além de ser banido da vida pública, pega cadeia por 15 anos. O financiador ilegal também tem que ser punido: com multa muito alta e 15 anos de prisão (crime inafiançável). Aí eu quero ver alguém ter coragem para financiar por fora.
 
Oded já apresentou sua proposta no Congresso. E conta que depois que acabou a explanação perguntou aos políticos da plateia — “Alguém de vocês vê alguma forma de burlar essa lei?”. Segundo ele,  ninguém disse nada. Essa foi uma prova, na visão do empresário, de que não haveria mesmo como burlar uma lei com punições tão graves.
 
Pergunto como é este processo nos outros países. De cara ele cita os Estados Unidos, onde há uma baita discussão sobre se devem ou não continuar deixando empresas a financiar campanhas. Na opinião dele, é a nação rica mais desigual do mundo, em parte por causa disso. Já nos países escandinavos, para Oded um exemplo de civilização bem sucedida, as empresas só podem financiar com um valor muito baixo, limitado.
 
– Se você me perguntar o que é preciso fazer hoje no Brasil para melhorar o país, eu digo: acabar com o financiamento de campanha pelo setor privado. Mas isso não passará pelo Congresso porque eles são beneficiários deste sistema, se mudar boa parte não se reelege. É isso que faz com que muitos  mal intencionados cheguem ao poder. Penso que se houver uma pressão nacional pode acontecer uma mudança. Já vi muita coisa acontecer quando a sociedade pressiona. Conseguiu-se até mesmo o impeachment de um presidente!
 
Não sou de levantar bandeiras, também não acredito numa solução única para todos os males, mas para mim há um sentido em tudo o que é dito por Oded. Poderíamos, ao menos, experimentar esse outro modelo para ver se melhora alguma coisa.
 
Prossigo aqui na leitura de Gaulejac. Quando acabar, conto para vocês.

 

Artigo publicado originalmente em: http://g1.globo.com/nova-etica-social/platb/2014/01/13/financiamento-de-campanha-por-empresas-e-corrupcao-legalizada-diz-oded-grajew/

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