Governo Alckmin revoga sigilo de documentos do Metrô de SP

A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu nesta quinta-feira (8) revogar a medida que tornou sigilosos centenas de documentos sobre o transporte público metropolitano de São Paulo.

A medida ocorre três dias após a Folha revelar que a Secretaria de Estado de Transportes Metropolitanos tornou os dados ultrassecretos –sigilosos por 25 anos, renováveis.

O carimbo de ultrassecreto se refere ao grau máximo de sigilo previsto na Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor em 2012 e permite a qualquer cidadão requisitar documentos do setor público.

Alckmin já havia declarado a intenção de reavaliar a medida e tornar públicos parte dos documentos.

Agora, além de revogar a decisão anterior, uma nova resolução, que será publicada no "Diário Oficial" de sexta-feira (9), determina que sejam revistos todos os pedidos de informação que foram negados.

A resolução fixa prazo de 30 dias para a reavaliação e determina que só seja mantido o sigilo de documentos "cujo conhecimento possa comprometer a vida e a segurança dos usuários".

A medida que tornou ultrassecretos 157 conjuntos de documentos (cada um pode conter até milhares de páginas) incluiu estudos de viabilidade, relatórios de acompanhamento de obras, projetos, boletins de ocorrência da polícia e até vídeos do programa "Arte no Metrô", que expõe obras de arte nas estações.

A restrição às informações foi feita sem alarde pelo governo, que publicou uma resolução em 2014, a menos de quatro meses da eleição que reelegeria Alckmin e em meio às investigações sobre um cartel para fornecer obras e equipamentos ao Metrô e à CPTM em gestões tucanas.

Tempo

Enquanto durou o carimbo de ultrassecreto nos documentos, os paulistas só poderiam saber os motivos exatos de atrasos em obras de linhas e estações, por exemplo, um quarto de século após a elaboração de relatórios sobre os problemas.

Quase todas as obras do governo Alckmin estão atrasadas. A promessa de deixar a rede de metrô com 100 km, até 2014, feita no mandato passado, só deve ser atingida no final desta nova gestão –atualmente há só 78 km.

Neste mês, a norma foi usada em resposta a pedido da Folha para ter acesso aos projetos básico e executivo do monotrilho da linha 15-prata (zona leste), que acumula atrasos por falhas –entre elas, um erro no projeto que obrigou a mudança em galerias para construir as estações.

A entrega da linha, inicialmente anunciada para 2012, foi postergada para 2015, mas por enquanto só duas estações funcionam. A nova promessa é para 2018, com a conclusão de nove estações. O resto da linha foi congelado, sem previsão se será executado.

O sigilo dos documentos também foi a justificativa para negar dados de relatórios de medição de obras do monotrilho da linha 17-ouro (que passará por Congonhas), prometido para a Copa de 2014.

Anteriormente, a gestão havia justificado a decisão de sigilo por 25 anos para impedir que os dados fossem acessados por pessoas "mal-intencionadas" ou "inabilitadas".

Segundo nota, esse acesso possibilitaria "danos aos sistemas operacionais das empresas, colocando em risco a população usuária", além do "sistema metroferroviário como um todo".

No plano federal são classificados como ultrassecretos, por exemplo, documentos como relatórios das Forças Armadas, correspondências de embaixadas e dados sobre a venda de material bélico ao exterior.

Repercussão

A revelação do sigilo dos documentos resultou em questionamentos do Ministério Público e do TCE (Tribunal de Contas do Estado) ao governo paulista.

"Se os dados se referem a gastos públicos, devem ser públicos", disse Marcelo Milani, promotor da área de Patrimônio Público.

Nesta quarta (7), o TCE deu prazo de cinco dias ao governo para que preste esclarecimentos sobre o sigilo.

Em despacho encaminhado ao secretário Clodoaldo Pelissioni, o conselheiro Roque Citadini formulou quatro questionamentos sobre a decisão.

Entre eles, cobrou "a fundamentação utilizada, assim como a descrição da situação fática concreta que justificou a medida".

O despacho foi motivado por manifestação do Ministério Público de Contas, que defende que os documentos sejam de conhecimento público.

Para os procuradores José Mendes Neto e Thiago Pinheiro Lima, "a transparência dos atos e documentos oficiais é a regra, sendo o sigilo uma exceção admitida expressamente somente nas hipóteses imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado".

A restrição aos dados estava desalinhada até com a legislação estadual que regulamentou a lei federal de Acesso à Informação.

O decreto prevê sigilo de documentos somente com a "análise de caso concreto" e quando houver "imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado ou à proteção da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas".

O sigilo ultrassecreto também foi condenada por especialistas que atuam na área de acesso a dados.

"Diminui a transparência em áreas estratégicas. Obras do Metrô atrasam, há um grau de ineficiência, e a sociedade precisa ter informações para saber por que isso ocorre", afirmou Fernando Abrucio, cientista político da FGV.

"Exageraram na dose de sigilo, especialmente no caso do Metrô. Alguns documentos realmente podem e precisam ter acesso restrito, mas o grau ultrassecreto é extremo e deveria ser usado com moderação", disse Marina Atoji, secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas (que reúne ONGs e entidades). 

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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