O novo Plano Diretor paulistano faz dois anos. Aqui está um balanço

Lei define diretrizes urbanísticas como altura máxima de prédios, quais regiões devem ser destinadas a moradia social e qual deve ser o modelo de transporte

Por Bruno Lupion – portal Nexo

O atual Plano Diretor da cidade de São Paulo completa dois anos neste domingo (31). Ele é uma lei que define diretrizes urbanísticas, como a altura máxima de prédios, quais regiões devem ser destinadas a moradia social e qual deve ser o modelo de transporte na cidade.  

Todas as cidades do país com mais de 20 mil habitantes devem elaborar planos diretores, e renová-los a cada dez anos. Isso está definido no Estatuto das Cidades, uma lei federal de 2001. O primeiro Plano Diretor de São Paulo entrou em vigor em 2002, e o atual, em 31 de julho de 2014.

As discussões sobre o Plano Diretor mobilizam interesses do poder público, de movimentos sociais, associações de moradores e empresários, por delimitarem prioridades para a cidade. O processo de debate e a lei aprovada revelam disputas por recursos e áreas e, no limite, pela própria cidade.

Alguns exemplos de conflitos no atual Plano Diretor de SP

MORADIA SOCIAL

Movimentos sociais queriam transformar uma ocupação na zona sul, chamada Nova Palestina, em uma Zeis (Zona Especial de Interesse Social), reservando a área para moradia popular. Alguns vereadores e ambientalistas preferiam mantê-la como reserva ambiental devido à existência de nascentes de córregos.

No Plano Diretor, a área virou uma Zeis, mas sua ocupação foi condicionada à preservação das nascentes.

ALTURA DE CONSTRUÇÕES

A prefeitura de São Paulo queria reduzir a altura máxima dos prédios nos centros dos bairros, longe das avenidas principais, para homogeneizar a paisagem. As construtoras preferem mais liberdade para construir prédios estreitos e mais altos, para aproveitar áreas em condomínios fechados.

O Plano Diretor estabeleceu em 8 andares a altura máxima dos edifícios no interior dos bairros, mas posteriormente foi aberta uma exceção: em vias importantes dentro dos bairros a altura máxima subiu para 16 andares. 

NÚMERO DE VAGAS DE GARAGEM

O município queria desestimular o uso de carros por meio da restrição no número de vagas de garagens em áreas com transporte público consolidado, ao lado de corredores de ônibus ou linhas de metrô. As construtoras queriam menos restrições na definição do número de vagas de garagens a serem construídas.

O Plano Diretor determinou que prédios em vias com corredores de ônibus ou estações de metrô ou trem poderiam ter somente uma vaga na garagem. Se quisessem ter mais de uma vaga, teriam que reduzir a área construída. Em 2016, contudo, a nova lei do uso do solo derrubou a exigência por três anos.

ONDE MANIPULAR O LIXO

A prefeitura tinha a intenção de delimitar na Vila Jaguara, na zona oeste da cidade, uma área para o transbordo de lixo (onde a carga de caminhões de lixo é transferida para carretas maiores, que então transportam os detritos para os aterros sanitários), mas os moradores não queriam essa atividade na sua região, em função do barulho e do mau cheiro.

No final, o Plano Diretor não definiu uma área específica para o transbordo e estabeleceu critérios para realizá-lo com redução do impacto ambiental.

O Plano Diretor de SP está funcionando?

O Nexo perguntou a duas urbanistas — as professoras da USP Raquel Rolnik e da FAAP Elisabete França, esta última também diretora de Planejamento da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo — e a dois vereadores paulistanos — Police Neto (PSD) e Nabil Bonduki (PT) —, como eles avaliam o Plano Diretor de São Paulo nesses dois primeiros anos. Eles apontaram pontos positivos e negativos:

FACHADAS INTEGRADAS À CALÇADA

O Plano Diretor estabelece incentivos para prédios comerciais abrirem áreas de suas fachadas para as calçadas, mediante uso comercial, como ocorre no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, e no Copan, no centro paulistano, conhecidas como “fachadas ativas”.  Elizabete França diz que em 3 ou 4 anos será possível “ver um maior número de prédios com fachadas ativas na cidade”.

ADENSAMENTO DO CENTRO

O estímulo para construir prédios no centro serve para que as pessoas ocupem áreas onde há infraestrutura urbana consolidada, como escolas, ruas pavimentadas e rede de saneamento, em vez de ampliar a ocupação urbana em áreas periféricas, menos consolidadas. Além disso, serve para aproximar as pessoas do trabalho, visando a reduzir o trânsito e o tempo médio de deslocamento.

O vereador Nabil Bonduki, relator do atual Plano Diretor, afirma haver um aumento sensível de novos empreendimentos em bairros centrais, como Santa Cecília, Bixiga e Cambuci, em parte como consequência da restrição para construir prédios em miolos de bairros, que não se aplica ao centro. Com menos possibilidade de erguer edifícios altos nos bairros, haveria um incentivo para construir no centro.

O vereador Police Neto, contudo, é crítico em relação à capacidade de o Plano Diretor estimular o adensamento do centro. Ele afirma que os atuais empreendimentos da região não estão relacionados ao Plano Diretor, pois foram licenciados antes da sua entrada em vigor, e que a lei atual errou ao não estabelecer incentivos para a reforma de prédios antigos ou abandonados (o “retrofit”). “O que temos hoje é o ‘destrofit’, joga tudo no chão e constrói de novo, o que espanta a população de menor renda”, diz.

USO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Police Neto afirma que a manutenção, pelo atual Plano Diretor, de Zeis favorecerá o cumprimento da função social da propriedade em edifícios ociosos na região central. Essa política faz com que o IPTU de prédios não utilizados seja elevado no tempo, para forçar o proprietário a dar um uso a ele, e também abre mecanismos para a desapropriação de edifícios vazios. Segundo ele, graças à criação de um Departamento de Controle de Função Social da Propriedade no município, já foram notificados os proprietários de mais de 500 mil m² de áreas urbanas no centro.

HABITAÇÃO SOCIAL

Para o vereador Nabil Bonduki, ainda não foi possível efetivar com a velocidade e volume necessários as diretrizes do Plano Diretor para construção de moradia social na cidade, destinada à população de baixa renda. Esse resultado, diz, decorre da restrição de recursos do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.

PRÉDIOS ALTOS PRÓXIMOS DE METRÔ

Esse ponto irá provocar prejuízos à população, na opinião de Police Neto. Na região da Vila Madalena, segundo ele, construtoras se aproveitaram da aprovação do Plano Diretor, em 2014, para licenciar prédios de até 30 andares em áreas hoje ocupadas por sobrados. “Isso vai destruir a região da Vila Madalena, Sumarezinho e Vila Anglo”, diz.

A insuficiência do Plano Diretor para mudar as cidades

Há um debate entre especialistas sobre a eficácia dos planos diretores para provocar as mudanças definidas no planejamento urbano.

A professora Elisabete França, da FAAP, defende uma reorientação da política urbana para valorizar mais o monitoramento de resultados.“Criamos uma cultura no país de [fazer] planos para tudo e as cidades não estão melhores, ao contrário”, afirma.

Ela diz que não adianta as prefeituras elaborarem planos diretores se não dispuserem de servidores públicos capacitados para implementá-los. Na década passada, após a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, milhares de cidades elaboraram planos diretores, a maior parte “sem qualquer conexão com a realidade da cidade, repetidos e não incorporados pelo corpo técnico das prefeituras”, diz.

Raquel Rolnik, da FAU, diz que os planos trouxeram avanços ao planejamento urbano, como a criação de Zeis que favoreceram “a luta pelo acesso à terra e a moradia”, mas ela defende uma reformulação do modelo de financiamento. Do contrário, os planos podem ser interpretados como “grandes falácias”. 

“O modelo de financiamento urbano hoje boicota os planos diretores. A construção de casas pelo Minha Casa Minha Vida é o maior exemplo, ela independe totalmente dos planos”, diz Rolnik. Ela lembra que o programa do governo federal organiza somente a construção de casas, sem articular onde e como os conjuntos habitacionais devem ser feitos sob o ponto de vista do planejamento da cidade. A solução, para ela, passa por uma redivisão da distribuição dos impostos arrecadados pela federação ou pelo fortalecimento de fundos federais específicos para o desenvolvimento urbano.

O vereador Police Neto concorda com esse item. Ele afirma que os planos precisam começar a estabelecer seu custo de implementação. “Criamos planos que não têm relação direta com a capacidade de realizar esse sonho. Como nunca colocamos no papel quanto custa, é só uma carta de intenção, que só será realizada se o agente público quiser”, diz.

Matéria publicada no portal Nexo.
 

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