Paulistanos, três horas no trânsito é demais!

Artigo de Jorge Abrahão, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis

Publicado no espaço Tendências / Debates da Folha de São Paulo

Há exatos dez anos, em 22 de setembro de 2007, no Dia Mundial Sem Carro, a Rede Nossa São Paulo realizava a primeira grande iniciativa de mobilização para trazer à tona questões que afligiam o paulistano no exercício de viver a cidade.

Naquela época, a gestão municipal resistia a propostas básicas. A ideia de uma ciclovia ligando os parques, por exemplo, era recebida como uma afronta aos carros -e a estes eram dados todos os investimentos e atenções.

Hoje, o cenário da mobilidade em São Paulo é diferente, e o protagonismo dos automóveis perdeu força no imaginário.

A cidade se adaptou, absorveu as mudanças, e os quase 400 km de ciclovias e mais de 500 km de faixas exclusivas de ônibus já se tornaram insuficientes. O que comprova a demanda reprimida havia décadas para tendências como estas.

Entretanto ainda há muito o que fazer. Segundo a 11ª edição da pesquisa de mobilidade urbana da Rede Nossa São Paulo -neste ano em parceria com o projeto Cidade dos Sonhos-, encomendada ao Ibope, o paulistano ainda perde cerca de três horas no trânsito diariamente, ocupando em torno de 20% do tempo que ficamos acordados.

O levantamento também revela que o nível de satisfação com aspectos da locomoção em São Paulo piorou em todos os itens, contrariando uma tendência de melhora que vinha sendo registrada desde 2008.

O medo é uma das marcas da pesquisa: dos pedestres, ao evidenciar o desrespeito dos motoristas às faixas de travessia; dos ciclistas, pelo desrespeito às ciclovias; e dos usuários de ônibus, em relação à segurança de furtos e roubos.

Pela primeira vez abordamos a questão da segurança em relação ao assédio sexual, que ficou com a nota mais baixa (2,6) em 14 itens pesquisados.

A pesquisa revela um paulistano mais crítico e exigente justamente porque é crescente também a disposição de ocupar a cidade, valorizar espaços públicos e priorizar o transporte público: 80% deixariam de usar o carro se tivessem "melhor alternativa de transporte", e aumentaram de 41% para 52% os que consideram "melhorar a qualidade do transporte por ônibus" a principal medida para a mobilidade.

Também é gritante o fato de que 87% são favoráveis à implementação ou ampliação de corredores e faixas exclusivas de ônibus, 74% apoiam a abertura eventual de ruas para o lazer de pedestres e ciclistas, e 71% são a favor da ampliação e construção de ciclovias.

A pesquisa serve para evidenciar problemas e pode direcionar políticas públicas pelos principais responsáveis: a Prefeitura e a Câmara de Vereadores. Para todas as questões há solução e bons exemplos. Portanto, o problema não é técnico, mas político: de viabilizar o acesso à cidade para toda a população.

Por tudo isso, é inadiável ao poder público dar sequência às ações iniciadas nos últimos anos e avançar em pontos indispensáveis, como a prioridade ao transporte público de qualidade e acessível -52% dos paulistanos deixam de visitar familiares, 42% não fazem consultas médicas e 28% deixam de ir à escola ou universidade por causa do preço da tarifa.

Só assim estaremos, de fato, garantindo a todos o inalienável direito de ir e vir na cidade.

JORGE ABRAHÃO, 59, é coordenador geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis. É membro do Conselho do Global Compact da ONU, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, da Comissão Nacional pelos ODS e do Conselho do Instituto Ethos

Artigo publicado na Folha de S. Paulo.

 

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