Recuar e não acelerar

EDITORIAL – FOLHA DE S. PAULO

No dia seguinte à eleição, o vencedor na cidade de São Paulo, João Doria, afirmou que elevará a velocidade máxima permitida nas marginais dos rios Tietê e Pinheiros assim que iniciar sua gestão.

A proposta, constante de seu programa de governo e reiterada durante toda a campanha, é passar o limite de 70 km/h para 90 km/h na pista expressa, de 60 km/h para 70 km/h na central e de 50 km/h para 60 km/h na local.

Para a maior parte dos especialistas em trânsito, porém, promover essas alterações representará grave retrocesso. Mesmo órgãos ligados ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB) pretendem levar Doria a rever sua decisão.

Espera-se que o prefeito eleito dê ouvidos a esses conselhos. As evidências favoráveis à velocidade reduzida são suficientes para sensibilizar em tese qualquer político —e jamais poderiam ser ignoradas por quem se intitula "gestor".

Determinada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na metade do ano passado, a diminuição das máximas nas marginais constituiu um marco para sua política de combate à carnificina no trânsito paulistano.

De julho de 2014 a junho de 2015, registraram-se 64 acidentes com mortes nas vias que ladeiam os rios Tietê e Pinheiros (e 64 no período anterior). De julho de 2015 a junho de 2016, a cifra despencou para 31, uma redução de 52% nas ocorrências fatais nos primeiros 12 meses de vigência da regra. Além disso, os atropelamentos letais quase zeraram, passando de 24 a 1.

Não há de ser coincidência. A gravidade dos acidentes obviamente diminui com velocidades menores; no caso de pedestres, estudos indicam que uma colisão a 32 km/h tem 5% de chance de provocar morte, contra 85% a 64 km/h.

Em circunstâncias normais, não convém a um político eleito abandonar um de seus carros-chefes (passe o trocadilho). Doria, cujo programa terminou endossado por 53% dos votantes, tem razão de apegar-se a sua promessa.

Terá mais razão, todavia, se abandoná-la. Pesquisa Datafolha antes do primeiro turno constatou que, de uma série de oito propostas, o aumento da velocidade nas marginais foi considerada a menos importante, e apenas 1% dos entrevistados disseram que tal iniciativa seria decisiva para o voto.

Em contrapartida, medida relacionada a melhorias no sistema de saúde foi apontada como decisiva para o voto de 66% dos eleitores.

João Doria precisa compreender que a diminuição de velocidade nas marginais, no fundo, é uma questão de saúde —sem dúvida a maioria de seus apoiadores saberá perdoá-lo por ceder ao imperativo de salvar vidas.

Editorial publicado na Folha de S. Paulo.
 

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