São Paulo está perto de ter 6 milhões de carros. Por que isso é um problema

Como em outros grandes centros urbanos do país, município tem menos investimentos do que deveria em meios públicos de mobilidade, estimulando uso do transporte individual, avaliam especialistas.

Por Caio do Valle

A cidade de São Paulo atingirá, em alguns meses, a marca de 6 milhões de carros registrados. Se ainda existem mais seres humanos do que automóveis no município (cerca de dois para um), a tendência do crescimento de pessoas e carros em terras paulistanas pende positivamente para os últimos. É que, no maior município brasileiro, a quantidade de carros aumenta mais do que o próprio número de habitantes, numa taxa anual de dois novos veículos a cada novo morador. Este índice é sintomático de uma cidade (e de um país) que quase sempre estimulou, seja por vias diretas ou indiretas, o uso do transporte individual – principalmente pela falta de prioridade aos meios coletivos de locomoção, como metrô, trens e ônibus.

Os carros correspondem ao tipo de veículo que mais roda nas vias da capital paulista: eles constituem nada menos do que 70% da frota de 8,3 milhões de automotores, que inclui motos (13%), caminhões (1,9%) e ônibus (apenas 0,5% do total).

Estatísticas do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo), órgão responsável por lacrar os veículos que circulam no Estado, mostram que, entre janeiro e dezembro de 2016, a cidade de São Paulo ganhou 114,8 mil carros. Na média, foram acrescidos à frota, por mês, 9,5 mil automóveis. Caso esse patamar permaneça estável, em setembro deste ano o município atingirá o seu simbólico carro de número 6 milhões.

A infraestrutura

O inchaço da frota não é um fenômeno novo. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), empresa da prefeitura que fiscaliza e gerencia o trânsito na cidade, calcula que entre os anos 1970 e meados da década de 2000, o número de veículos variou 400%. No mesmo período, a infraestrutura viária (ruas, avenidas, viadutos, pontes) aumentou somente 21%. Ou seja, um conjunto bem maior de carros para transitar numa área que cresceu proporcionalmente muito menos, algo que se reflete na crescente competição por espaço nas ruas, em especial nas horas de rush.

“Qualquer investimento na área viária demanda muito custo”, avalia Silvio Medici, presidente da Abeetrans (Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Trânsito). “É preciso investir maciçamente no transporte público, tanto em qualidade quanto em quantidade. Porque há uma deficiência no transporte público de São Paulo quando comparado ao de outras grandes cidades do mundo, o que desestimula a sua utilização, levando pessoas para o transporte individual.”

As pessoas

Chama a atenção o fato de que a frota de carros paulistana continue variando, ano a ano, numa proporção pelo menos duas vezes maior do que a de novos habitantes, um fenômeno já observado desde a década de 1980. Para citar dados recentes, entre julho de 2015 e o mesmo mês de 2016, mais 136.057 carros passaram a circular na cidade, conforme o Detran-SP. Por sua vez, em igual período, a população da cidade aumentou em 70.350 pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No período anterior, ou seja, entre meados de 2014 e 2015, o número de novos habitantes se situou num patamar praticamente igual (71.932 moradores), ao passo que os carros novos chegaram a 186.107. Esses dados mostram que embora o crescimento demográfico siga estável, o de automóveis – apesar da queda em 2016, ano de crise – ainda é significativamente superior.

As saídas

O especialista em transportes Creso de Franco Peixoto, professor da FEI (Fundação Educacional Inaciana) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), explica que somente quando a malha metroviária for significativamente ampliada o sistema de transporte público se tornará mais atraente para muita gente que prefere ir de carro, apesar do anda-e-para dos horários de pico. “A solução é o metrô e, em São Paulo, a rede deveria ter no mínimo 200 km de extensão, mas ainda está longe disso. É preciso aumentar a média histórica de construção de metrô na cidade, de dois para seis quilômetros por ano. A capacidade do metrô está esgotada hoje.”

77,4 km é a extensão da malha metroviária em São Paulo

O engenheiro também defende estratégias mais simples para que as pessoas comecem a depender menos de seus carros. “Não adianta colocar que o carro é o vilão e acabou. Temos que buscar políticas intermediárias, soluções como existem em Madri, onde as pessoas vão com seus carros só até o metrô mais próximo.”

Medidas que passem pelo maior estímulo para que as pessoas trabalhem de casa também seriam bem-vindas, explica Peixoto. “Você gera menos necessidade de deslocamentos, inclusive de carros, num processo que chamo de desmaterialização do transporte.”

Taxa de motorização

Apesar de ter, de longe, o maior número de automóveis emplacados do país, São Paulo não é a capital brasileira com o maior índice de motorização (proporção de carros por habitantes). Em 2016, Curitiba, Belo Horizonte e Florianópolis estavam todas na frente da capital paulista, o que demonstra que o problema do transporte individual afeta centros urbanos do país como um todo. Tanto Curitiba quanto Florianópolis não contam, sequer, com um sistema de metrô.

No Rio de Janeiro, a segunda metrópole brasileira em termos populacionais, o Detran local informa que a marca de 3 milhões de carros emplacados foi batida em setembro de 2016. Lá, assim como na capital paulista, a frota vem aumentando numa proporção maior do que a população: foram 71.262 carros emplacados na cidade entre julho de 2015 e julho de 2016, três vezes mais do que os 22.206 habitantes que passaram a viver no município no mesmo período, de acordo com o IBGE.

No mundo

A Cidade do México, o segundo maior município da América Latina depois de São Paulo em termos populacionais, possui uma frota de 4,7 milhões de veículos, segundo o Instituto Nacional de Estadística y Geografía, que não discrimina os dados por tipo de veículo. A população local é de 8,9 milhões de pessoas, o que significa que há cerca de 1,8 veículo por habitante no Distrito Federal mexicano. O sistema metroviário de lá, que começou a ser construído na mesma época que o de São Paulo, tem 226 km de extensão, quase três vezes mais do que o de São Paulo.

Em Nova York, o Department of Transportation, entidade que gestiona o trânsito local, revelou que entre 2010 e 2015, a quantidade de automóveis de uso privado (sem incluir táxis) registrados na cidade aumentou em 112 mil, alcançando a marca de 1,879 milhão de unidades, o que equivale a 0,22 veículo por habitante. Na maior cidade dos Estados Unidos, as autoridades de trânsito estimam que, em 2015, o tráfego diário recebia cerca de 2,2 milhões de carros apenas em Manhattan.

Na capital paulista, a CET informou que não divulga mais esse tipo de estimativa. Mas, no fim da década passada, o órgão de engenharia de tráfego estipulava que cerca de 3,5 milhões de veículos – entre carros, motos, caminhões, ônibus e outros – rodavam diariamente na cidade, número que incluía automotores emplacados em outros municípios.

Matéria originalmente publicada no portal NEXO

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