São Paulo terá regra para aluguel de bicicleta similar ao modelo da Uber

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, ENVIADA ESPECIAL A SHENZHEN – FOLHA DE S. PAULO

Nos próximos dias, o prefeito João Doria (PSDB) assinará um decreto para regulamentar o compartilhamento de bicicletas em São Paulo, algo nos moldes do que já acontece com Uber e serviços afins, diz o secretário municipal de Transportes, Sérgio Avelleda.

Não haverá licitação nem exclusividade para esta ou aquela empresa, diz o secretário. Para atender aos ciclistas, qualquer companhia será bem-vinda –desde que atenda a pré-requisitos estipulados pela prefeitura.

Um deles será o de só credenciar empresas dispostas a atuar também na periferia, e não só na região central, tida como a joia desse mercado.

Nas franjas urbanas, a ideia é liberar empréstimos maiores do que a usual meia hora e até permitir que a bike "durma" na casa de quem a emprestou, afirma Avelleda.

No centro, bicicleta em geral é sinônimo de lazer e curtas distâncias. Na periferia, muitos usuários pedalam até estações de metrô ou ônibus e de lá partem para o trabalho.

No novo modelo, exemplifica o secretário, "a pessoa chega em Itaquera, pega a bicicleta, a leva para casa e pode usá-la no dia seguinte para voltar à estação. Se tiver só 30 minutos, não vai querer [alugar uma bike]".

A prefeitura estuda formas de pagamento que extrapolem o cartão de crédito –o Bilhete Único, por exemplo. As empresas credenciadas poderão expor o nome de suas marcas, desde que respeitem o Cidade Limpa, diz Avelleda.

O secretário falou à Folha diretamente de um lugar que entende do assunto: a China.

Ele viajou com Doria a convite do governo chinês, atrás não só de investimentos, mas também ideias que possam incrementar São Paulo.

A comitiva viu de quase tudo em diferentes pontos do país: drones que monitoram a malha urbana, uma prefeitura que recebe seus cidadãos com hologramas, classes "inteligentes" nas quais o professor pode bloquear o tablet do aluno que se distrair em redes sociais em plena aula, test drives com carros elétricos

De fora da agenda ficou uma das principais revoluções no transporte no país mais populoso do mundo.

A discussão sobre o compartilhamento de bicicletas não esteve nas reuniões entre paulistanos e chineses, mas o sistema é onipresente nas maiores cidades do país.

Com fama de Vale do Silício "made in China", Shenzhen é uma cidade prima de São Paulo em tamanho (os mesmos 12 milhões de habitantes), mas com menos da metade dos 7 milhões de carros que entopem as vias paulistanas.

Para ter o direito a uma placa, pode-se pagar até 10% do valor do veículo, medida adotada pelo governo para frear a expansão da frota em metrópoles como Shenzhen.

Quatro rodas, na cidade, é para quem pode –e às vezes mesmo quem pode diz não, obrigado. Foi o que Li Wang, 23, respondeu à sua mãe quando ganhou um "vale-carro" no aniversário de 18 anos (trocou a oferta pelo combo "viagem à Disney de Orlando" e "uma semana de spa").

Perto da meia noite, a estudante de arquitetura equilibra quatro sacolas de grifes como Hermès no guidão de uma bicicleta que pegou no meio da rua, depois de pagar com seu celular para andar uma hora com ela.

Sua mãe, conta, lamenta seu desprezo pelo automóvel. "Ela sempre conta que, quando tinha a minha idade, a China era muito pobre, e uma bicicleta surrada era o que lhe restava para se locomover."

Hoje, pedalar cada vez mais é o que resta numa nação ameaçada por engarrafamentos e níveis de poluição tão hiperbólicos quanto sua população de 1,4 bilhão.

Bicicletas como a que Li usou ficam em geral largadas nas calçadas. A Mobike tem interesse em exportar seu negócio para São Paulo, mas o secretário de Transportes se diz reticente ao modelo.

Não tanto pela segurança, já que o roubo das bikes, ao menos na China, não faz muito sentido. Elas são rastreadas por GPS e têm baixíssimo valor agregado. "Mesmo se desmontar uma, não serve para vender peça, não serve para nada."

Com fama de "Uber para ciclistas", a Mobike ouviu de Avelleda que, em São Paulo, o problema maior é o espaço público. "A bicicleta [deixada na rua] não pode atrapalhar o pedestre, o cadeirante."

Por isso, a estratégia paulistana é apostar em estações para guardá-las, como as que já existem hoje, mas numa escala muito maior (a meta é de cerca de 2.500 espalhadas pela cidade, dez vezes mais do que a quantidade atual).

A regulamentação do setor resolveria um impasse jurídico que se estende desde que o Bike Sampa, sob controle do Itaú, teve seu contrato inicial de três anos encerrado em 2015. O serviço passou a operar com um termo provisório, o que atrofia sua capacidade de construir novas estações.

O Tribunal de Contas do Município já suspendeu duas concorrências públicas abertas pela prefeitura para tentar atrair novas empresas.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo

 

Compartilhe este artigo