Sem verba, hospitais inacabados de Haddad viram ‘obra fantasma’

GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO

O cartaz do canteiro de obras avisa: "estamos trabalhando há 408 dias sem acidentes". Mas basta uma olhada pelo vão de um portão fechado com cadeado para identificar que não há operários nem ruído de máquinas ali, apenas um "esqueleto" de concreto abandonado.

Já a placa na entrada do empreendimento anuncia que a entrega aos moradores do Hospital Municipal de Vila Brasilândia, na zona norte, seria no último dia 11.

Promessas inacabadas do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), as construções de dois hospitais na periferia de São Paulo travaram no fim do ano passado e não tiveram nenhum avanço neste começo da gestão João Doria (PSDB).

No último balanço de desembolsos, no fim de janeiro, nenhum centavo do caixa do município havia sido despendido para dar andamento às unidades de saúde de Brasilândia e de Parelheiros – esta no extremo sul da cidade.

Segundo a gestão Doria, restrições orçamentárias obrigaram a prefeitura a rever pagamentos para honrar despesas herdadas da administração passada (leia texto nesta página). Juntos, os dois hospitais deveriam beneficiar em torno de 2,2 milhões de moradores dessas áreas, ao custo de R$ 354 milhões.

Em pesquisa Datafolha feita após os primeiros 30 dias da gestão tucana, a saúde foi a área apontada como de maior problema pela população de São Paulo. Ela foi citada por 29% -em seguida aparece segurança, com 19%, e transporte coletivo, com 10%.

Na zona norte, a construção inacabada do hospital -orçada em R$ 209 milhões- na estrada do Sabão tem ares de cidade fantasma. Na tarde do último dia 21, nem vigias da obra havia no local.

"Passou a eleição, não vimos mais ninguém trabalhando aí. É um absurdo. Moro aqui perto e estava esperando esse hospital. O outro aqui na região, que também é público, vive sem médico", afirmou a dona-de casa Camila Cristina, 26. A unidade hospitalar de 40 mil m² ficará ao lado de uma futura estação da linha 6-laranja do metrô paulista. Haddad disse em 2016 que a obra chegou a ser afetada por pedido da área pela companhia.

A promessa era que, quando ficasse pronta, a unidade hospitalar abrigaria uma piscina para uso da comunidade, além de pronto-socorro adulto e pediátrico, com quatro salas de emergência, salas obstétricas, 250 leitos e oito centros cirúrgicos.

PASSOS LENTOS

Na sexta (17), cerca de 20 homens atuavam na finalização de um muro nas obras do hospital de Parelheiros. Um operário disse que, além do ritmo a passos lentos, eles tinham a perspectiva de esvaziar totalmente a área caso não houvesse injeção de recursos municipais neste mês.

As obras da unidade da zona sul fazem parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), cujos repasses se escassearam a partir de 2015. O custo total da empreitada, que está 80% finalizada, é de R$ 145 milhões.

Segundo outro dos poucos funcionários da obra, entre 2015 e metade de 2016, a obra chegou a ter 600 pessoas. "Não temos orientação para 'atacar' [avançar]. Estamos cuidando de poucas coisas, como esse muro", afirmou, apontando a contenção construída logo na entrada.

Ali, a promessa é oferecer 255 novos leitos, maternidade, pronto-socorro, e centro de diagnóstico, gerando aproximadamente 2.000 empregos. Tudo deveria ter sido entregue no ano passado pela administração Haddad.

OUTRO LADO

O secretário da Fazenda da gestão João Doria (PSDB), Caio Megale, confirmou que não houve pagamentos para a execução das obras dos dois hospitais no início da gestão, mas defende que entre as motivações estão as restrições orçamentárias em razão de despesas deixadas pela administração anterior.

Já a gestão Haddad (PT) diz que deixou dinheiro em caixa (cerca de R$ 500 milhões) para obras, porém admite que houve redução do ritmo das obras no final do ano. Megale diz que a sobra de caixa é, na verdade, próxima de R$ 350 milhões e que ela está comprometida com outras despesas deixadas do ano passado para 2017.

"Houve de fato a sobra de receita, mas houve também uma série de sobras de gastos", disse. Segundo ele, são as chamadas "despesas de exercícios anteriores", que não estavam previstas para pagamento no Orçamento.

Megale cita, por exemplo, valores da ordem de R$ 60 milhões a serem pagos a prestadores de serviços como as OSs (organizações sociais), que administram as unidades de saúde. Diz que essas despesas superam a sobra de caixa. Em outubro, novembro e dezembro foram pagos R$ 1,9 milhão ao hospital Brasilândia em recursos municipais.

Segundo a Secretaria de Saúde, a obra foi suspensa temporariamente na gestão Haddad. "Antes de reiniciar, a atual gestão está revisando o projeto para melhor atender às necessidades da região e otimizar o recurso disponível."

Sobre a unidade de Parelheiros, afirmou que a suspensão de repasses federais em decorrência da crise econômica fez com que a prefeitura assumisse o custo. "As obras não foram paralisadas. Apenas foi necessário diminuir o ritmo do andamento do projeto de modo que não prejudique o orçamento municipal e que não comprometa outros projetos e programas da saúde", diz.

Segundo a gestão, foram investidos R$ 140 milhões na obra desde 2014 e, para a conclusão, faltam R$ 60 milhões. A previsão é que ela seja concluída em setembro de 2017.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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