Sob pressão, Doria terá de aprimorar fila da moradia para evitar fraudes

GIBA BERGAMIM JR., DE SÃO PAULO, E EDUARDO SCOLESE, EDITOR DE "COTIDIANO" – FOLHA DE S. PAULO

Pressionado pelo Ministério Público e por movimentos de sem-teto, a equipe do prefeito eleito João Doria (PSDB) irá reorganizar a lista de espera por moradia em São Paulo para barrar eventuais fraudes ou privilégios. Hoje a fila é de 120 mil pessoas.

A ideia é usar um cadastro público já existente, mas agora discriminando os potenciais beneficiários de acordo com prioridades –idosos e deficientes, por exemplo.

Para isso, um grupo que reúne três futuros secretários (Habitação, Inovação e Tecnologia e Desenvolvimento Urbano) irá analisar os dados da atual gestão e detalhar as informações que hoje, por determinação da Promotoria, já estão no site da Secretaria Municipal de Habitação.

Um dos objetivos é que esse sistema seja capaz de detectar pessoas de uma mesma família espalhadas no cadastro. Isso para evitar, por exemplo, casos de famílias já beneficiadas que vendem os imóveis e retornam à fila por meio de outro CPF.

AJUSTAMENTO

Na semana passada, Doria e seu futuro secretário de Habitação, Fernando Chucre, estiveram na Promotoria.

Eles foram avisados que terão de cumprir exigência do promotor de Habitação e Urbanismo Marcus Vinícius Monteiro dos Santos. Esse, em 2014, assinou um TAC (termo de ajustamento de conduta) com a gestão de Fernando Haddad (PT) que deu origem à criação do cadastro único.

Segundo o promotor, boa parte desse TAC foi cumprida pela atual gestão. Porém, segundo ele, a lista não deixa clara a ordem de prioridades da fila, por exemplo.

A atualização e um detalhamento mais aprofundado permitirão saber, entre outras coisas, porque uma pessoa foi beneficiada antes da outra, mesmo estando a menos tempo no cadastro oficial.

Outra iniciativa em estudo é incluir itens no cadastro que possam indicar a região do interessado e se ele precisa de um atendimento prioritário, como no caso de ser oriundo de área de risco.

"A lista tem que ser transparente e deixar os demais cadastrados informados. A intenção é evitar, por exemplo, benefício a apadrinhados. Se houver ilegalidade, a gente vai conseguir detectar", disse o promotor à Folha.

Se o TAC não for cumprido na totalidade, a prefeitura está sujeita a multa diária de R$ 5.000. De acordo com o promotor, o prazo para todas as adaptações já venceu.

A administração petista rebate e diz que cumpriu o termo em sua totalidade e que há alguns pontos do cadastro em aprimoramento.

Também a pedido da Promotoria, Doria terá que fazer um pente-fino de cadastrados antigos. Reportagem da Folha de outubro passado revelou que há pessoas que fizeram um primeiro cadastro na Cohab há 30 anos.

Outro objetivo é saber se há tratamento igualitário entre os que estão na lista e aqueles atendidos por programas voltados exclusivamente a organizações de sem-teto.

Atualmente, o programa federal Minha Casa Minha Vida prevê uma modalidade específica para esses grupos.

"A Promotoria reconhece a importância dos movimentos. O que queremos é equilibrar o jogo para que as pessoas que não são ligadas a eles sejam beneficiadas igualmente", afirmou.
Um inquérito para apurar eventual privilégio dos sem-teto ligados a movimentos sociais está em andamento.

PROTESTOS

Líder nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Guilherme Boulos disse que ainda não foi procurado pela equipe de Doria para discutir esse tema e promete protestos nos primeiros dias de mandato para apresentação das reivindicações do movimento.

"Somos os maiores defensores de critérios transparentes de entrega de moradias. Mas, historicamente, os privilégios se dão entre os próprios políticos, já que há cabos eleitorais que estabelecem cotas para a habitação", disse Boulos à reportagem.

A gestão Haddad diz que o melhor exemplo de transparência foi o lançamento do portal Habitasampa, para promoção de melhorias na agilidade de processos, atendimento e formulação de políticas públicas habitacionais "garantindo transparência e interação entre o cidadão e o poder público".

Segundo a prefeitura, não existe fila da habitação, mas sim cadastros de organização da demanda. Além do citado pelo promotor, há cadastros específicos para moradia no centro (previstos em parceria-público privada em andamento), de ocupações ou moradores em locais específicos, que servem também para seleção de atendimento por meio de auxílio aluguel e para sorteios determinados pelo Minha Casa, Minha Vida.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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