Vereadores dão ‘cheque em branco’ para plano de privatização de Doria

GUILHERME SETO – FOLHA DE S. PAULO

Considerado a joia da coroa do projeto político do prefeito João Doria (PSDB), o programa de concessões e privatizações tem avançado de forma rápida e genérica na Câmara Municipal de São Paulo.

Até agora, já foram liberadas pelos vereadores as concessões do estádio do Pacaembu, de parques, terminais de ônibus, Bilhete Único, Mercadão e sistema de guincho e pátios de carros. Os parlamentares também aprovaram em primeira votação o projeto para privatizar o Anhembi.

Na Câmara, onde apenas 11 dos 55 vereadores são de oposição, a maioria desses projetos tem entrado e saído sem informações básicas como prazos de concessão, valores estimados, contrapartidas a serem recebidas, cronogramas ou mesmo a definição do objeto da privatização.

Foi assim, por exemplo, no caso do pacotão aprovado na semana passada na Câmara, com a autorização para o repasse à iniciativa privada de parques, terminais, sistema de bilhetagem e mercados.

Todo esse detalhamento será definido agora pela prefeitura, após ouvir propostas de empresas interessadas. Doria trava disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin para a escolha do candidato do partido nas eleições à Presidência.

Para ser candidato, ele terá de deixar o cargo até o início de abril (seis meses antes da eleição). Por isso, tem pressa na aprovação dos projetos para ter algo a mostrar até lá.

O tucano quer os editais publicados ainda neste ano, e as empresas vencedoras anunciadas no primeiro trimestre do ano eleitoral de 2018. Ele prevê arrecadar até R$ 7,5 bilhões com o programa e abrir mão de gastos de manutenção de ao menos R$ 1 bilhão ao ano.

Aprovar privatizações sem estabelecer diretrizes concretas abre brechas para que as empresas definam o que é mais vantajoso, sem considerar o interesse público.

"O Executivo tem que fazer o adequado diálogo [com as empresas] e fazer a tradução do ponto de vista do interesse público. O que não pode é apenas capturar interesses privados, que vêm com vieses, naturalmente", diz Vera Monteiro, professora da FGV.

"Conseguimos incluir diversas especificações no projeto [pacotão], mas infelizmente não conseguimos colocar os prazos. Minha demanda era para que cada equipamento tivesse seu próprio projeto", diz o vereador Police Neto (PSD), um dos líderes do grupo de vereadores da base de apoio a Doria críticos ao excesso de velocidade na aprovação desses projetos.

No caso do documento referente à alienação do Anhembi, enviado à Câmara com apenas uma página e meia, foram ignoradas variáveis que podem mudar radicalmente o processo de privatização, como a definição das dimensões exatas do espaço e as repercussões em seu entorno. Também não consta a possibilidade de tombamento do Anhembi, em processo que limitaria a margem de ação dos possíveis interessados.

"Precisamos de índices e parâmetros para mensurar o valor", diz o vereador Police.

Projetos mandados pelo Executivo no passado, como a concessão de serviço de estacionamento (1987) e a licitação da coleta do lixo (2004), estabeleciam de saída os limites de concessão.

Esses projetos de Doria têm sofrido até mesmo com fogo amigo. O vereador Mario Covas Neto (PSDB) recorreu à Justiça contra o ritmo de tramitação de um deles. "O regimento foi atropelado na primeira votação [do pacotão] por pressa. O juiz ainda não julgou, mas corre-se o risco de voltar à estaca zero."

"Como o Doria inverteu o processo e mandou os projetos de lei para a Câmara antes de fazer os estudos, tudo é muito genérico. O projeto 367 saiu da Câmara sem prazos, e isso é ilegal, vai contra a lei federal de concessões. Vamos judicializar", diz Antonio Donato, líder do PT na bancada.

"Não colocamos prazos porque vale o limite federal, 35 anos. O governo está pegando autorização legislativa. A partir daí teremos os PMIs [manifestações de interesse], e então saberemos o que as empresas querem propor. O que se discute são grandes linhas que vão reger as concessões. Se o investimento for baixo, o prazo de concessão diminui", rebate Aurélio Nomura (PSDB), líder do partido na bancada.

Professor de administração do Insper, Sandro Cabral diz que, "para formatar melhor o conceito e chegar ao melhor modelo tem que se medir o apetite do mercado". "Mas concordo que, no caso do prazo, poderiam pelo menos ter explicitado o limite estipulado pela lei federal, que é o de 35 anos."

Para Eduardo Marques, professor de ciência política da USP, o próprio programa de concessões peca por ser genérico em seus objetivos. "Há um defeito de origem que é a falta de clareza sobre a utilização dos recursos. A prefeitura falha em apresentar o motivo de se estar fazendo esse programa."

DETALHAMENTO

Secretário de desestatização da gestão João Doria (PSDB), Wilson Poit afirma que os projetos de concessão são mais detalhados que a média.

"São mais específicos do que os que tenho conhecimento no Estado e na União. Lei não tem que entrar no endereço, mas garantir o equilíbrio no contrato e o melhor para a cidade", diz Poit.

"Mas ainda teremos PMIs [manifestação de empresas interessadas], audiências públicas, licitações, e somos fiscalizados pelo Tribunal de Contas. Digo que poderíamos ser mais genéricos até. Na Câmara, estamos em uma velocidade boa. São Paulo está muito atrasada, muitos equipamentos não deveriam estar com o município", completa.

Quanto às críticas sobre pressa na votação dos projetos, o vereador Milton Leite (DEM), presidente da Câmara, afirma que "os projetos do Executivo foram votados e aprovados pela ampla maioria dos vereadores seguindo os trâmites previstos no regimento interno da Casa".

PROJETOS DE LEI DE DORIA
Documentos chegam sem informações básicas à Câmara

Projeto 367/2017 – pacote de concessões

Aprovação
Aprovado em 1ª votação em 3.jul; e em 2 ªvotação em 21.set

Assunto
Concessões de parques e praças; Bilhete Único; mercados e sacolões; e terminais de ônibus

O que falta
Não estabelece prazos de concessão, valores estimados de retorno ou contrapartidas

Cronograma
Prefeitura quer lançar editais neste ano, para que a iniciativa privada assuma operações em 2018

Concessão do Pacaembu

Aprovação
Aprovado em 1ª votação em 29.jun; e em 2ª votação em 30.ago

Assunto
Concessão do estádio municipal do Pacaembu e do complexo esportivo localizado ao lado

O que falta
Não está especificado o valor esperado de retorno para a Prefeitura de SP

Cronograma
Executivo quer lançar edital em novembro

Privatização do Anhembi

Aprovação
Aprovado em 1ª votação em 27.set; aguarda 2ª votação

Assunto
Alienação do complexo do Anhembi e da SPTuris (empresa de turismo e evento)

O que falta
Não tem especificação de valor de retorno ou mesmo da área em questão

Cronograma
Segundo a liderança do PSDB, deve ir para segunda votação até o final de outubro

Concessão do mobiliário urbano

Aprovação
Aguarda ser colocado em pauta para 1ª votação

Assunto
Exploração publicitária de banheiros públicos, bicicletários, bancas de flores, entre outros

O que falta
Não tem especificação de valor de retorno ou mesmo da área em questão

Cronograma
Projeto de lei ainda passará por 1ª votação na Câmara, o que pode acontecer nas próximas semanas

Venda de imóveis da prefeitura

Aprovação
Aguarda ser colocado em pauta para 1ª votação

Assunto
Venda de terrenos da prefeitura com até 10 mil m² que não sejam usados por equipamentos públicos

O que falta
Não especifica quantos terrenos, o valor de cada um e o quanto se espera de contrapartida

Cronograma
Projeto de lei ainda passará por 1ª votação na Câmara, o que deve acontecer nas próximas semanas 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo

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