Moradia popular patina, e gasto de bolsa-aluguel sobe 44% com Haddad

Por ARTUR RODRIGUES – Folha de S. Paulo

Enquanto a entrega de moradias populares em São Paulo segue lenta, a bolsa-aluguel paga pela prefeitura a desabrigados teve aumento de gastos de 44% sob Fernando Haddad (PT), se transformou em um benefício quase permanente e fez saltar o valor do aluguel na periferia.

O programa ainda coleciona reclamações de atraso, cortes sem justificativa e pagamentos a quem não precisa.

Hoje, a prefeitura concede a bolsa para mais de 30 mil famílias. São beneficiadas, entre outras, aquelas retiradas de áreas com risco de enchentes e desabamentos ou que ficaram desabrigadas devido à realização de obras públicas ou incêndios, por exemplo.

Cada família recebe R$ 400 mensais –o valor era de R$ 300 até o início do ano. Somente em 2014, o programa consumiu R$ 111 milhões, valor suficiente para a construção de 3.000 casas populares.

Segundo especialistas e integrantes de movimentos sociais, o fato de um benefício temporário ter se tornado algo permanente para muitos dos beneficiados acabou inflacionando o aluguel nas áreas periféricas, mas sem tirar essa população de uma situação de moradia precária.

Para que deixe de receber a bolsa, na maioria dos casos, a família precisa antes ganhar as chaves de uma moradia popular. Mas, como as obras de habitação estão quase estagnadas, cada vez mais famílias se acumulam no programa, sem rotatividade.

TENDÊNCIA

O ritmo atual de dependência do programa segue tendência iniciada na gestão anterior, de Gilberto Kassab (PSD). Entre 2010 e 2012, por exemplo, o benefício cresceu 108%, em valores corrigidos.

Diante disso, o benefício consome fatia cada vez maior da verba municipal destinada à habitação –atualmente, atingiu a casa dos 16%–, o que compromete novos investimentos. Nos últimos cinco anos, foram gastos quase R$ 500 milhões com o auxílio, em valores corrigidos.

Para complicar as metas de Haddad, que prometeu 55 mil novas moradias até 2016 mas só entregou 8.072 até agora, nesta semana o governo federal anunciou cortes no programa Minha Casa, Minha Vida.

A gestão Haddad diz que já providenciou projetos e terrenos para que todos os beneficiários sejam atendidos. Agora, aguarda o lançamento da terceira etapa do programa federal, ainda indefinido.

'INADEQUADO'

"Esse benefício nasceu para ser provisório, emergencial, e acabou se tornando permanente de maneira inadequada", afirma o urbanista Kazuo Nakano, especialista em habitação.

Ele diz que o valor pago, insuficiente para aluguel até de barracos em algumas favelas centrais, empurra algumas famílias para áreas mais distantes do centro, inclusive em áreas de manancial.

"Muitas famílias falam que não conseguem alugar imóvel para morar, e isso também acaba inflacionando o mercado de locação em algumas áreas periféricas da cidade."

A reportagem conversou com líderes comunitários e de movimentos sociais, que afirmam que os atrasos no benefício viraram rotina. A prefeitura admite atrasos no passado, mas afirma que as contas agora estão em dia.

Líder comunitário da comunidade de Heliópolis, a maior favela da capital, na zona sul, João Eudes, 45, diz que o benefício dado a 4.000 famílias do bairro ajudou a criar um mercado para puxadinhos a R$ 800 de aluguel.

"O Haddad foi eleito com a promessa de construir 5.000 moradias aqui e não fez nenhuma até agora", afirma Eudes. "Se essas moradias fossem construídas, o preço do aluguel com certeza iria baixar bastante."

BOLSA-ALUGUEL – O QUE É
Benefício pago às famílias em situação vulnerável que precisam ser realocadas por causa de obras públicas, localização em áreas risco geológico ou por deter- minação do Ministério Público

R$ 400 é o valor mensal

14,68%
A gestão Fernando Haddad entregou até agora 8.072 unidades habitacionais das 55 mil prometidas

MALABARISMO

Os atrasos nos pagamentos do bolsa-aluguel têm levado beneficiários do programa a recorrer a empréstimos para não serem despejados. Houve até quem tenha deixado a casa alugada por causa disso.

A prefeitura diz que houve atrasos no passado, mas que, agora, as contas estão em dia.

Desempregada, a dona de casa Edite da Silva, 40, diz que terá de se mudar pela segunda vez após o despejo.

Os motivos são atrasos constantes na bolsa e aumentos no valor do aluguel, sempre acima dos R$ 400 mensais pagos pela prefeitura.

"[Os locatários] dizem para a gente: 'Eu aluguei a casa para você, não para a prefeitura'", afirma a desempregada, há seis anos desalojada por causa de obra do município na região de Heliópolis.

Ela afirma que mudará para uma casa com aluguel R$ 100 menor –atualmente ela paga R$ 600. "Não me deram nenhuma previsão de quando sai meu apartamento [de moradia popular]", diz.

Já a auxiliar Maria das Graças Paulino, 48, ficou desabrigada em um incêndio que deixou três mortos, em 2013.

Ela conta que, desde então, tem feito malabarismo para pagar o aluguel de R$ 780 em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, na zona sul. "Só neste ano já tive de pegar empréstimo duas vezes, para depois devolver com R$ 50 de juros, por causa do atraso."

A prefeitura não deu prazo para entregar as casas às duas moradoras de Heliópolis.

Integrantes do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que acompanham o cotidiano dos desalojados, contam que as interrupções do pagamento do benefício sem justificativa são comuns.

Já auditoria da CGM (Controladoria Geral do Município) constatou dezenas de casos de pessoas que receberam o benefício mesmo após conseguirem suas casas.

OUTRO LADO

A gestão Fernando Haddad (PT) afirma que aguarda verba do governo federal para avançar na construção de moradias e tornar mais enxuta a lista do bolsa-aluguel.

De acordo com o secretário municipal da Habitação, José Floriano de Azevedo Marques, já há terrenos e projetos suficientes para atender mais que os 30 mil beneficiários do bolsa-aluguel (que podem consultar a situação dos empreendimentos na internet por meio do CPF).

A gestão afirma que já investiu mais de R$ 500 milhões na compra de terrenos.

"Temos quase 15 mil unidades em projetos aprovados, esperando a viabilização do Minha Casa, Minha Vida fase 3", afirma Marques. Há 19.548 unidades em construção.

Marques atribui os aumentos de beneficiários no programa durante a gestão a muitos casos de pessoas tiradas de área de risco, por ordem do Ministério Público.

"Na nossa gestão, de 2013 pra cá, lógico que houve crescimento do número de famílias [no bolsa-aluguel], mas a gente procura controlar ao máximo porque esse tipo de política não resolve o problema", diz Marques.

A prefeitura admite que houve atrasos nos pagamentos do benefício no passado, mas diz ter resolvido problemas de sistema e que os pagamentos agora estão em dia.

Sobre as moradias cobradas pelos moradores de Heliópolis, a prefeitura diz que pretende desapropriar um terreno da Petrobras. Além das tratativas com a empresa, a prefeitura espera laudos da Cetesb e análise da Caixa Econômica Federal. A gestão afirma também que beneficiou 1.200 famílias com obras de urbanização no bairro e concluiu 297 moradias.

Sobre a liberação de verba pelo Minha Casa, Minha Vida, o Ministério das Cidades disse em nota que desde 2009 já contratou 71.652 unidades habitacionais (33.831 foram entregues e há 48.913 em processo de conclusão) na capital, representando um investimento de R$ 5,3 bilhões.

A respeito do crescimento do bolsa-aluguel na gestão Gilberto Kassab (PSD), a assessoria do ex-prefeito afirmou que "não eram concedidos como uma meta quantitativa, mas integrado com outros programas"

Matéria públicada originalmente na Folha de S. Paulo.

 

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