Seca acentua os problemas com poluição e pragas

No interior de São Paulo, estiagem que afeta os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí prejudica do agronegócio às grandes indústrias.

Por Alexa Salomão e Cleide Silva

Os lírios cultivados pela família De Wit, em Holambra, polo de produção de flores no interior de São Paulo, podem ser perfumados ou não. “Como tem gente que não gosta, produzimos flores com e sem perfume”, diz Tobias de Wit, filho do fundador. A família é precavida também em relação à água. Mantém três tanques, que acumulam água da chuva e de um córrego próximo. “Se tudo secar no entorno, haverá água para irrigar as flores por seis meses”, diz Wit. É um trunfo no setor. A maioria dos agricultores tem reserva para três dias. Mas nem assim os De Wit driblaram a seca em São Paulo. Seus lírios sofrem com dois efeitos colaterais da estiagem: as altas temperaturas, fatais para a planta de clima temperado, e as pragas, que se proliferam com o calor. Desde o início deste ano, já perderam 17% da produção. 

A florida Holambra é um dos 76 municípios que recebem as águas das Bacias PCJ, sigla para os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, seus formadores e afluentes. Esses rios irrigam as torneiras de 5,5 milhões de pessoas e a geração de uma riqueza que equivale a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Nesse pedaço de São Paulo prosperam o agronegócio, o turismo e a indústria. Lá estão os morangos de Atibaia, as termas de Águas de São Pedro, o polo petroquímico de Paulínia. Suzano, do setor de papel e celulose, Ambev, de bebidas, ArcelorMittal, da siderurgia, e Honda, do automotivo, são empresas com fábricas na região. 

Calor

Nesse cinturão de prosperidade econômica, a estiagem tem sido implacável, principalmente com o agronegócio. O produtor Celeste Dalfito Neto, 59 anos, tem duas pequenas represas em seu sítio e já suportou muitas estiagens. Tanto é que seus tomates e alfaces estão vistosos nas estufas, justamente por causa da irrigação. “Mas como já não chove direito desde o verão passado, está cada vez mais difícil conter os efeitos do calor”, diz. Suas abóboras foram atacadas por pragas típicas de altas temperaturas. As flores dos 5 mil pés da café morreram. Não haverá colheita no ano que vem.

Os laranjais sofrem dos mesmos males. Entre 15 mil pés de laranja, em sua fazenda na cidade de Limeira, o produtor e consultor Paulo Celso Briasioli, 65 anos, até comemora a resistência das árvores: “Olhe aqui: tem um boa quantidade de chumbinhos, que é como chamamos as laranjas quando começam a brotar”, diz. “Com a chuva, a colheita até pode ser bem boa.” 

Se não chover, porém, ele prevê um baque sobre a citricultura paulista. Por amargar perdas com a queda nas exportações de suco, o setor encolhe e a seca pode desmotivar ainda mais os produtores. Briasioli aponta a propriedade vizinha. “Ali a laranja deu lugar à cana e à construção de um condomínio industrial”, diz. “Tenho um amigo que vendeu parte da terra e arrendou o resto para empresas de telefonia celular erguerem antenas. A renda é boa.” 

Nas cidades, os mais preocupados são aqueles que dependem da água da torneira e agora vivem sob a incerteza. O município de São Pedro, por exemplo, não recebe ajuda do santo. Está em racionamento. Lá a lavadeira Aparecida Bomtorin, a Cida, se organizou para encher as máquinas de lavar à noite – quando a água é liberada – e cuidar das toalhas de um restaurante da cidade turística de Águas de São Pedro. Em setembro, porém, uma adutora se rompeu. Não havia hora certa para a água entrar. “Vivemos o racionamento dentro do racionamento”, diz. Para garantir o ganho de R$ 800 mensais, vigiava as torneiras dia e noite. Abastecia devagar as máquinas quando dava. Lavava a roupa na madrugada. “Meu ganha pão vem da água e sem ela não saberia o que fazer.”

Contaminação

A visão das bacias locais não traz bons prognósticos. Em alguns trechos, os rios que inspiraram prosas e versos perderam tanta água que mais parecem canais de esgotos. O Piracicaba, o mais importante, está 71% abaixo da média para o período. Por causa disso, as empresas públicas e privadas estão preocupadas não apenas em garantir mais água, mas em assegurar sua qualidade. 
Na americana Dow, que tem sistemas de tratamento, a demanda pela ultrafiltragem – método mais sofisticado de limpeza – deu um salto: 45 empresas avaliam projetos. Na Servmar, especializada em poços artesianos, a procura triplicou.

Escapar da poluição, porém, não é fácil. Uma multinacional, que não quer o nome revelado, precisa de muita água na região. Para garantir o abastecimento, estudou abrir poços. As análises prévias, porém, revelaram que a água está comprometida com substâncias que danificariam os equipamentos. 

Na semana passada, a região acreditou que o suspense árido chegava ao fim. No domingo choveu e, na segunda, o céu permaneceu carregado. No fim da manhã de terça, porém, um vento seco e frio do Sul foi limpando a nuvens sobre Anhembi, a 180 quilômetros da capital, região onde o Piracicaba deságua. “O vento de outubro está pior que o de agosto, esse sim, o mês do vento”, reclama o pescador Sidnei Alves, de 46 anos. Perto do meio-dia, ele desembaraçava os peixes que, por causa da ventania, se enrolaram na rede. Se não se apressasse, o carregamento não seguiria a tempo para a Ceasa da capital.

A brisa nesse ponto tem um cheiro característico. O mesmo que se sente sobre todos os rios esverdeados desde a divisa com a capital. É um odor igual ao que sopra sobre pilhas de lixo plástico que a reportagem encontrou às margens arenosas do Tietê, na região da foz do Piracicaba. Diferentemente do que ocorre com os lírios, não é possível fugir desse cheiro. O cheiro rançoso e nauseante dos esgotos.

Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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