Após 20 anos, sociedade segue à margem das decisões

Livro avalia avanços e desafios de conselhos criados na Constituição de 88

Guilherme Scarance
Passados 20 anos da promulgação da Constituição de 1988, que instituiu a participação da sociedade civil na discussão de programas para as áreas de saúde, assistência social, política urbana e crianças e adolescentes, o ideário de democracia participativa ainda está por ser consolidado. Uma profunda análise do tema foi publicada recentemente, no livro Controle social de políticas públicas – caminhos, descobertas e desafios, fruto de detalhada pesquisa e análises produzidas em parceria pela Cáritas Brasileira e a Universidade Católica de Pelotas.

A obra, resultado do esforço de uma rede de pesquisadores em 14 municípios de 4 Estados – Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas -, mergulha em uma fatia desse universo de 20 mil conselhos, instrumentos pelos quais a população interage com as políticas públicas. O livro, publicado pela editora católica Paulus, concentra-se em dois setores: assistência social e desenvolvimento rural. As conclusões, apresentadas ao longo de nove artigos, vêm de atas, entrevistas, estudos bibliográficos e da realidade de cada município.

"Não é só a existência de uma legislação participativa que determina o protagonismo social e a existência do controle público da sociedade sobre o Estado", destaca o sociólogo Leonardo Avritzer, professor-adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na introdução do trabalho. Na sua avaliação, há um longo trabalho de conquista da cidadania à frente. "É preciso que as formas de controle público sejam mais ativas e a sociedade seja capaz de ter uma agenda propositiva de ampliação dos direitos sociais."

ARENAS DE LUTA

Em entrevista ao Estado, a doutora em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Dalila Maria Pedrini, integrante do trio de organizadores do livro, diz que os conselhos são "espaços públicos de poder, que se constituem em campos ou arenas de luta".

"A participação e o controle social são estratégias fundamentais para a construção das políticas públicas", diz a especialista no tema. "Entretanto, os conselhos, por si só, se não estiverem articulados com fóruns e processos mobilizatórios de lutas mais amplas, podem burocratizar-se e não alcançar as metas para as quais foram criados."

Professora do curso Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia Participativa da UFMG e Cáritas Brasileira, Dalila argumenta: "A mobilização popular, articulada com o controle social, constitui-se em elemento fundamental para a mudança da pauta nos governos e a conquista das políticas públicas, ou melhoria da sua execução." Ela defende uma nova ótica, inclusive orçamentária, "onde o social passa a ter lugar prioritário e o econômico está a serviço da vida".

Para a professora, após duas décadas de experiências, os conselhos tornaram-se "patrimônio vivo e potencial da sociedade". Ela destaca que um número maior de brasileiros exerce atualmente a cidadania "de modo mais ativo", mas admite que o controle social no País ainda "é relativamente frágil e pequeno para as urgências da crescente exclusão social".

Frisa, ainda, que conquistas de igualdade racial, ou políticas para as mulheres e segurança alimentar, entre outras, precisam ser consolidadas.

PRIORIDADES

Para Dalila, falta muito a ser desbravado: "A participação ficou mais restrita às políticas sociais, com pequena presença nas políticas econômicas e de desenvolvimento." Ela observa: "É necessária uma inversão de prioridades na aplicação dos recursos públicos."

Ao analisar o momento político, Dalila destaca conquistas, mas também as frustrações dos movimentos sociais com o governo do presidente Lula: "As ilusões acabaram e retomou-se a consciência de que as mudanças não virão de cima, mas da tarefa cotidiana, do trabalho de organização e mobilização."

Indagada sobre como a população pode despertar o interesse por fiscalizar as ações públicas e intervir no debate, ela diz que há "toda uma política a ser mudada no País, superando marcas históricas e provocando atitudes éticas e republicanas". Acredita que todos os Poderes, a mídia e demais setores da sociedade precisam se comprometer com essa nova visão. Ela mesma, porém, antevê dificuldades: "A maioria destes atores não quer mudanças que firam interesses corporativos."


FRASES

Leonardo Avritzer
Sociólogo e professor

"Não é só a existência de uma legislação participativa que determina o protagonismo social e a existência do controle público da sociedade sobre o Estado"

Dalila Maria Pedrini
Professora da UFMG e Cáritas Brasileira

"A mobilização popular, articulada com o controle social, constitui-se em elemento fundamental para a mudança da pauta nos governos e a conquista das políticas públicas, ou melhoria da sua execução"

 

Fonte: O Estado de S.Paulo – 01/02/2008

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