Fonte: Folha de S.Paulo
IMLs, peritos e policiais lançam mortes a esclarecer como "intenção
indeterminada" e, muitas vezes, dado não é atualizado após a investigação
Distorção mostra que total de assassinatos no Brasil é bem maior do que o
divulgado pelo governo federal no "Mapa da Violência"
EVANDRO SPINELLI
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O "Mapa da Violência", divulgado na semana passada pelo governo federal,
não reflete a realidade dos assassinatos no país. Segundo o estudo, houve
46.653 homicídios em 2006, mas o número é bem maior. O problema ocorre em
decorrência de uma falha no sistema de informação dos Institutos Médicos
Legais.
Muitas mortes são lançadas no sistema como "intenção indeterminada", uma
espécie de limbo estatístico que não define o que é homicídio, acidente
ou suicídio. Na dúvida, o IML simplesmente lança como caso não
esclarecido.
É evidente que em muitos casos, quando o óbito é registrado, não é
possível identificar a causa. A questão é que nem sempre, após a
investigação policial, o dado é atualizado.
Além disso, há situações em que, apesar das evidências, peritos e
policiais deliberadamente não classificam a morte como homicídio com a
intenção de maquiar estatísticas. Pesquisadores afirmam considerar
aceitável um índice de "intenção indeterminada" de até 5% do total de
mortes por causa externa. No Brasil, desde 1996, ele nunca foi inferior a
8%.
Em São Paulo, por exemplo, esse percentual foi de 17,25% em 2005. Como é
o Estado que tem a maior população e, por conseqüência, o maior número de
mortes, o dado paulista é o principal responsável pela distorção dos
índices nacionais.
No Rio Grande do Norte, outro caso emblemático, foram 19,45%. Alagoas,
Distrito Federal e Acre têm os melhores índices, com menos de 1%.
Evolução
Como é um problema histórico da estatística nacional, essa distorção não
afeta a conclusão de que o número de homicídios no país está em queda.
Mas a proporção da redução pode ser menor do que a apontada pelo "Mapa da
Violência". Além disso, pode ocasionar mudanças no ranking por 100 mil
habitantes de municípios e Estados violentos.
"Isso está maquiando toda a evolução. Talvez venha caindo mesmo o número
de homicídios, mas a proporção de registros com intenção indeterminada é
muito grande para afirmar que a queda é tão grande assim", afirmou Ana
Maria Nogales Vasconcelos, demógrafa, estatística e coordenadora do
Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais da UnB (Universidade de Brasília).
De acordo com ela, estudos feitos com base nos registros do Estado do Rio
de Janeiro na década de 1980 e no Distrito Federal na década de 1990
apontam que pelo menos metade dos casos registrados como "intenção
indeterminada" são homicídios, mas que esse percentual pode ser de até
90%.
Em 2005, último dado disponível pelo sistema Datasus, o Brasil teve
127.633 mortes por causa externa -homicídios, suicídios, afogamentos,
acidentes de trânsito e complicações cirúrgicas. Desse total, 11.269
-8,83% do total- foram classificadas como "eventos cuja intenção é
indeterminada", ou seja, o IML não informou se foi suicídio, homicídio ou
acidente. No mesmo ano, foram registrados 47.578 homicídios.
Flagrantes
Há casos flagrantes dessa distorção dos dados. Em 2005, a cidade de
Pereira Barreto (625 km de São Paulo) teve 17 casos de morte por causa
externa registrados no sistema Datasus. Foram três acidentes (de tipo não
especificado), dois homicídios e 12 registros de evento cuja intenção é
indeterminada. Em Bertioga (92 km de SP) foram nove homicídios e, em 27
casos, o registro é de "intenção indeterminada".
Esse dado mal registrado impede que o país e os próprios órgãos de
segurança municipais e estaduais tenham a exata dimensão da violência em
suas cidades.
Os IMLs, responsáveis pelo preenchimento do formulário denominado
Declaração de Óbito, são órgãos ligados aos governos estaduais, que têm a
função constitucional de cuidar da segurança pública.
Otaliba Libânio de Morais Neto, diretor do Departamento de Análise de
Situação de Saúde da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
Saúde, disse que o alto índice registrado em São Paulo é "provavelmente
uma característica do IML" do Estado.
Para Ana Maria Vasconcelos, da UnB, o ideal é que o percentual seja
inferior a 1%, mas ela acredita que se esse tipo de registro totalizar
menos de 5% das mortes por causa externa os dados passam a ser mais
confiáveis. "São Paulo sempre foi reputado como tendo uma boa qualidade
de informação.Esse dado está manchando a reputação de São Paulo."
Colaborou JOAHNNA NUBLAT, da Sucursal de Brasília