Representante da Secretaria de Assist. Social explica o movimento internacional de cidades com o papel de transformação social

 

Susana Sarmiento
21/2/2008

"A cidades será educadora quando reconheça, exercite e desenvolva, além de suas funções tradicionais (econômica, social, política e de prestação de serviços) uma função educadora, quando assume a intencionalidade e responsabilidade cujo objetivo seja a formação, promoção e desenvolvimento de todos seus habitantes, começando pelas crianças e pelos jovens". Esta definição da Declaração de Barcelona revela o papel das cidades educadoras – movimento iniciado na Espanha, em 1990, durante o 1º Congresso Internacional de Cidades Educadoras.

Vilu Salvatore é assessora da Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo e foi palestrante na Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Cidades 2008. Ela explica a importância das cidades educadoras. Há quatro anos a capital paulista participa dessa iniciativa. Essas cidades estão filiadas a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), uma rede com 50 municípios de 35 países. "Há dez anos essas cidades se reuniram. Depois criaram a carta de princípios de cidades educadoras (a Declaração de Barcelona). É um documento que estabelece princípios pelos quais uma cidade deve se comprometer para ser educadora. Ela é baseada nos seguintes documentos: Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Declaração Mundial da Educação para Todos (1990); Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância (1990); e Declaração Universão sobre Diversidade Cultural, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2001)."

Neste ano, São Paulo sediará X Congresso de Cidades Educadoras. Com 70 diferentes etnias, a capital paulista promoverá conferências, sessões plenárias, workshops, fórum de boas práticas e espaço pôster, organizados a partir de três eixos: a cidade como espaço de aprendizagem; identidade, diversidade, cidadania e inclusão, eqüidade e direitos. "Se a pessoa quiser se inscrever, não será impedida, mas a preferência está para pessoas que representam cidades, gestores públicos, que representem projetos da sociedade civil envolvidos com esta temática", explica a assessora.

Confira entrevista com Vilu Salvatore realizada pela equipe do Setor3.

Setor3- Para uma cidade se tornar educadora, há alguns critérios? Qual é o processo seletivo?

Vilu Salvatore – Não há um processo seletivo. Mas as cidades precisam ter um compromisso com os princípios da Carta das Cidades Educadoras, elaborada na Declaração de Barcelona, na Espanha. O compromisso é com o prefeito, a maior autoridade que responde pela cidade. A AIC coloca como um critério importante a intencionalidade. Não basta uma cidade ter apenas projetos interessantes, que estimula participação e que apresenta direitos da cidade. Nem simplesmente dizer bom: essa é uma cidade educadora. Não é esse o caminho. O trajeto é, em geral, ter um conjunto de forças políticas lideradas pelo prefeito que assuma os princípios. Esses princípios estão na carta. Em geral, eles abordam conceitos de democracia, de participação, de respeito às diferenças, de diálogo intergeracional. Dão ainda ênfase à criança, ao adolescente, ao jovem, por entender que as novas gerações têm preconceitos e contribuir para essa prática permanecer. É quase um valor, já que a cidade desenvolva seu potencial educativo. Acho interessante essa prática, porque a cidade é um organismo vivo e tem uma dinâmica própria. É um conjunto enorme de fatores: a cultura, a convivência, a sociabilidade e outras coisas.

Setor3- Como a cidade pode ser protagonista das cidades educadoras? E ela não deveria articular esse trabalho com as Secretarias? Isso não seria um trabalho em redes?

Vilu Salvatore- Existe essa articulação e é fundamental, já que a sociedade civil por meio das  ONGs, movimentos sociais, fundações do setor privado são atores importantes. A cidade não é só governo. Agora a cidade educadora, por conta desta intencionalidade, propõe a transversalidade das políticas. Segundo Augusto de Franco, a rede propõe a total horizontalidade. Em cidades educadoras, usa-se o termo rede, mas nesse stricto senso do Franco, eu digo que não é uma rede, porque tem uma coordenação, uma hierarquia. Não são pessoas conectadas às redes, mas são cidades, governos locais. Num sentindo mais popular, trocar experiências é uma "rede". Às vezes usamos o termo, mas conforme nos aprofundamos vemos que ele não está bem empregado. No caso desses municípios, o governo local tem um papel protagonista, porque ele está muito centrado na figura do prefeito. Para uma cidade ser considerada educadora, ela precisa se filiar a AICE por meio da prefeitura. Esse órgão formaliza o processo junto a Associação. Não é uma secretaria, nem instituição e não a sociedade. É o prefeito.

Setor3- Na mesa de debates Redes e Diversidade, durante o Seminário Sustentabilidade: Redes e Desenvolvimento Local, promovido pelo Senac São Paulo, você comentou o papel da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Explique o papel desse órgão no movimento desses municípios.

Vilu Salvatore- Comentei que é importante entender cidade educadora não como uma ação da Secretaria de Educação, por ter a palavra educadora. Esse educadora possui um sentido mais amplo, além dos muros da escola.  É muito freqüente ir às reuniões da AICE e 80% das cidades estarem representadas pelo secretário de Educação, e não pelo prefeito. As pessoas costumam fazer essa relação. Ah! É sobre Cidade Educadora manda para a Secretaria de Educação.

Na realidade, não falo de educação strictu senso, não de educação formal. É justamente aquela educação fora dos muros. Para os orientais, por exemplo, em Xangong, uma cidade na Coréia do Sul, eles são filiados à Associação e promovem um encontro anual chamado Aprendizado ao Longo da Vida. Eles já têm esse conceito da cidade educadora, mas chamam de Aprendizagem ao Longo da Vida. Ou seja, as pessoas aprendem ao longo de toda sua vida. Eles desenvolvem trabalhos de forma que não perca esse conceito, essa postura, essa crença. Uma vez por ano, durante uma semana, a cidade participa deste festival e apresenta de tudo: dança, artesanato, brincadeiras, apresentações das escolas. É uma experiência incrível. As pessoas de idade costumam ter uma função social importante nessa sociedade. Elas voltam a estudar. Não são descartadas como velhos. Já em nossa sociedade ocidental o idoso não é muito valorizado. É outra cultura. Acho que temos que aprender com eles.

Setor3- Em São Paulo, quem coordena cidades educadoras?

Vilu Salvatore- Em São Paulo, a coordenação fica com a Secretaria de Educação. Embora eu defenda que é interessante a interação de várias Secretarias e, principalmente, o prefeito coordenar esse movimento na capital. Na prática, quem batalhou pela organização e pela sede do Congresso foi a Secretaria de Relações Internacionais junto com a Secretaria de Educação. Hoje a ação está centrada na Educação.

Setor3- Qual é a diferença entre uma cidade educadora e uma cidade que investe em educação?

Vilu Salvatore- Quando a cidade investe na educação, ela fez uma opção de priorizar essa área. Um investimento legítimo, excelente e válido. Essa cidade pode investir muito na educação e ter um excelente nível educacional, mas não é considerada uma cidade educadora. Não é fácil o conceito cidade educadora. É comum encontrar cidades nos encontros apresentando ações como criação de bibliotecas comunitárias, coleta seletiva, trabalhos de jardinagem em praças públicas, recuperação de monumentos. Isso não faz uma cidade educadora. São serviços públicos próprios da cidade. O mínimo que uma cidade deve fazer é manter esses serviços. A cidade é considerada educadora quando ela se compromete com alguns princípios e cria um local de educação em todos seus pontos. Ela engloba tudo. Esse conceito pode ser um eixo de uma política de governo, fazendo com que todas as ações se aliem. Os Centros de Educação Única (CEU), em São Paulo, são considerados projetos de cidades educadoras. Lá eles reúnem atividades para toda a comunidade. Não se trata de um programa compensatório, mas ações seguindo conceito de cidadania e de cidade educadora. É aquela cidade que educa a todos os cidadãos, independente de cor, crença, idade, sexo.  

Setor3- Você sente que os projetos de cidades educadoras de países latinos são semelhantes? Quais são as principais diferenças? E o que vocês compartilham?

Vilu Salvatore- Temos muito contato com a Espanha. Eles já erraram, acertaram e sistematizaram. A gente aproveita muito da experiência deles. Uma experiência muito interessante foi um curso virtual de cidades educadoras promovido pela Universidade Rosário, na Argentina. Todos nós mostramos nossas dificuldades no desenvolvimento dos projetos. Deu para sentir que tem características bem parecidas nas cidades latino-americanas. A gente está avançando muito nesta questão da participação, usar os potenciais das cidades, principalmente na intersetorialidade. Dificuldades políticas são os principais problemas dos países latinos. A descontinuidade de projetos, o populismo, a tendência ao assistencialismo, são coisas corriqueiras. Nossas experiências são coisas pontuais, projetos pilotos, alguns bem sucedidos, outros estão em implantação.

Setor3- De que forma essas cidades ajudam neste movimento na construção de um mundo sustentável?

Vilu Salvatore- Tem tudo a ver. Uma das questões é a parte ambiental. Não dá mais para deixar esse assunto de lado. A cidade educadora estabelece uma via dupla ao cidadão que precisará assumir sua responsabilidade, além do prefeito. Esse último é responsável por formalizar o ato. No entanto, quem sustenta a cidade educadora é o conjunto da sociedade. Cada vez mais a gente se dá conta da importância da co-responsabilidade. Nossas políticas públicas são assistencialista e paternalista, individualista e personalista.


Serviço:

Conheça o site do X Congresso Internacional de Cidades Educadoras.  
Onde: Palácio das Convenções do Anhembi- Av. Olavo Fontoura , 1209- Parque Anhembi – Santana São Paulo – SP
Quando:23 a 26 de abril de 2008
Veja a programação

 

 

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