Garotada dança, bebe, usa drogas e transa na Emef
MARICI CAPITELLI, marici.capitelli@grupoestado.com.br
Drogas, bebidas, sexo, pouca roupa, funk e uma garotada carente. Essa é a fórmula explosiva do baile funk realizado há seis meses nas madrugadas de sábado em frente à Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Isabel Vieira Ferreira, no Parque da Primavera, na Zona Sul da Capital. Quando o pancadão (apelido da festa) começa, os pátios da escola também entram na dança. Segundo líderes comunitários do bairro, o evento é organizado pelos traficantes das favelas da região – responsáveis por dar o sinal verde para o início do baile.
O colégio, que é chamado pelos funkeiros de transódromo, fica na Rua Orquídeas (veja o mapa), uma das vias onde ocorre a o baile. A outra é a Rua Bento José Borba. Os dois quarteirões são tomados por quase três mil jovens e crianças. As polícias Civil e Militar não conseguem acabar com a festa. A Subprefeitura da Cidade Ademar se isenta de responsabilidade e afirma que o caso é policial.
De acordo com moradores e líderes comunitários, o pancadão é organizado pelos traficantes das várias favelas da região e, justamente por isso, é difícil chegar aos organizadores. O lucro com a balada viria de duas fontes: da venda da cocaína e maconha para os jovens e do ‘pedágio’ que os traficantes cobram das dezenas de camelôs que vendem bebidas alcoólicas para a garotada. Cada ambulante paga de R$ 15 a R$ 20.
‘É injusto, mas se não paga, não fica’, diz um dos vendedores. ‘Hoje, eles nem vieram buscar o dinheiro, mas é porque estão na moita já que a polícia esteve aqui antes da festa.’ Parte das drogas seria trazida pelas centenas de motos que circulam no pancadão. ‘A gente até evita olhar o que os motoqueiros estão fazendo, mas coisa boa com certeza não é’, ressalta uma vizinha.
As festas começam pouco antes da meia-noite de sexta-feira e só terminam por volta das 6h do sábado. Na semana passada, a PM até tentou impedir o baile, mas depois que as quatro viaturas que vigiavam o local foram embora, a festa começou. A equipe de reportagem do JT participou do pancadão durante duas semanas, passando-se por funkeiros e entrando várias vezes na escola durante as madrugadas.
O baile sempre começa da mesma forma. O motorista de um carro com som potente estaciona em algum ponto das duas ruas, abre o porta-malas e liga o funk no último volume. Chegam as cachorras (as meninas da festa), na grande maioria menores de idade, e começam a dançar. Na semana retrasada, quem iniciou a festa foi Amanda, 13 anos, de shortinho apertado e miniblusa. ‘Quanto mais a gente faz o ‘créu’ (música e coreografia funk), mas deixamos os meninos loucos’, diz Patrícia, de 15, saia preta rodada curtíssima. A cada abaixada sensual, ela deixa a calcinha preta à mostra. Em uma mão, a maconha, na outra, uma lata de cerveja, que é repartida com outras três colegas.
Em 45 minutos, elas tomam 10 latinhas da bebida, que misturam com goles de batida, vodca e vinho, fornecida pelos colegas. Pouco à frente um casal, a menina de shorts branco transparente, simula um ato sexual enquanto dança. Outro grupo de garotas ocupa o portão da Emef e faz um ‘trenzinho’.
Aos poucos, outros carros, que vão de modelos caindo aos pedaços a novos, também estacionam nas ruas com som alto. A essa altura os vizinhos já colocaram cadeiras nos quintais para esperar o dia clarear. É impossível dormir.
‘Ninguém é louco de reclamar, mesmo que a gente veja essa garotada se matando de tanta droga e transando com todo mundo. Mas o que me revolta mais é a escola compactuar com isso e deixar o portão aberto’, diz uma moradora.
A escola, onde estudam 1,6 mil alunos, ganha papel de destaque à medida que a balada funk esquenta. Os pátios, que ficam às escuras, lotam. Além dos namoros apimentados, adolescentes e crianças ocupam a área para usar drogas, como eles mesmo dizem, ‘no sossego’.
‘A farinha (cocaína) é mais sossegada aqui’, diz um garoto der 11 anos completamente fora de si. A garotada senta na mureta da escola para enrolar cigarros de maconha.Uma turma mais animada sobe no telhado do colégio. Outros invadem os muros, bêbados. A aposta dos que estão do lado de fora é acertar quem vai se espatifar no chão.
Outra finalidade da escola é servir como banheiro. Sem cerimônia, a galera (tanto moças como rapazes) faz xixi por todos os cantos. Grupos inteiros urinam juntos. É tanta urina que quando o dia amanhece, ela ainda escorre pela calçada.
Minientrevista com Marcos Antonio Gonçalves Gabriel, diretor da Emef Isabel Vieira Ferreira
O senhor tem conhecimento da utilização da escola durante os bailes funks para o consumo de drogas e bebidas alcoólicas, sexo e banheiro improvisado?
Não. Não sabia. Estou sabendo dessas coisas por você.
Mas da realização do baile funk o senhor sabia?
Não posso mentir que não sei da existência do baile funk porque os funcionários que moram no bairro comentam e as alunas do colégio também. Mas não moro aqui na região e assim que terminam as aulas vou embora. O baile acontece bem mais tarde, bem depois que as aulas acabam.
Mas o senhor nunca percebeu um volume de sujeira na escola acima da média na segunda-feira? A Emef é usada como banheiro durante toda a festa. Ninguém nunca reclamou do mau cheiro?
Não. A sujeira que tem na escola é a normal, que foi deixada pelas pessoas que usam a nossa quadra nos finais de semana. Existem pessoas que limpam a escola e nunca reclamaram disso. Na segunda-feira de manhã é o único dia que não estou aqui, mas tem assistente na escola e eu nunca recebi qualquer reclamação sobre isso.
Por que o portão da escola fica aberto na noite de sexta-feira?
Porque se deixá-lo fechado, eles arrebentam tudo. A escola fica aberta nos finais de semana para a comunidade, que é carente, usar a quadra. E olha que a nossa quadra é bem simplesinha, porém é muito utilizada. Nós não temos como fechar o portão.
Moradores dizem que o senhor é pressionado pelo tráfico para deixar o colégio aberto durante o baile. É verdade?
Não. Nunca sofri qualquer tipo de pressão nesse sentido. Apesar de a escola estar em um lugar complicado, temos um ótimo relacionamento com toda a comunidade.
O senhor não fica preocupado com essa utilização dos pátios do colégio durante o baile funk?
Pelo que você está me falando é preocupante. Mas a minha preocupação seria muito maior se os alunos estivessem usando drogas. Mas se isso acontece na hora do baile e ai eu não tenho como saber. Seria grave se isso acontecesse em horário de aula, o que não acontece. É preciso deixar claro que no funcionamento da Emef nada disso acontece.
O senhor pretende tomar alguma providência?
Vou conversar com os meus superiores. Mas não vejo o que posso fazer. Isso é um problema maior, social, que foge da escola.
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