Fonte: Folha de S.Paulo
Só passam por análise da companhia edifícios comerciais com mais de 200 vagas de garagem e residenciais com mais de 500
Deficiências na forma de aprovação de conjuntos residenciais ou comerciais contribuem para afetar trânsito, dizem especialistas
DA REPORTAGEM LOCAL
O mais moderno empreendimento residencial é lançado no bairro da moda, as centenas de apartamentos são vendidas em horas ou dias, as torres são aprovadas, erguidas e entregues a toque de caixa, sem obstáculos na prefeitura, os novos proprietários são só felicidade.
Mas a insatisfação começa quando a rotina se repete no terreno de um lado, depois no do outro, depois no da frente.
E, nas palavras da urbanista Regina Monteiro, diretora da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), os moradores passam a conviver com os transtornos na vizinhança -trânsito, barulho- provocados pelas mesmas facilidades na liberação dos imóveis que os beneficiaram tempos atrás.
"O empreendimento vira refém do trânsito que ele mesmo ajudou a criar e também vira refém da própria maluquice de permitir a verticalização sem tantos critérios", afirma.
Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que há deficiências na forma de aprovação de conjuntos residenciais ou comerciais em São Paulo e que esse é um dos motivos que ajudam a entupir alguns quarteirões e a afetar até as garagens.
Na Vila Olímpia, ao mesmo tempo em que pipocam reclamações de engarrafamentos, ainda há obras ao redor que vão adensar mais ainda a região.
"Está péssimo. Tem as obras, e a região não suporta tantos prédios comerciais. Todos os estacionamentos aqui estão lotados", lamenta-se Renata Cristina de Abreu, analista de tecnologia da informação.
Hoje, com base na legislação municipal dos pólos geradores de tráfego, só passam por análise de impacto na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) edifícios comerciais com mais de 200 vagas de garagem e residenciais com mais de 500.
A instalação desses empreendimentos, desde que de acordo com as regras de zoneamento, nunca são vetadas pelo órgão, que só tem a atribuição de definir medidas mitigadoras do seu impacto, como a instalação de semáforos ou de câmeras de monitoramento.
Além disso, diversos prédios de médio porte concentrados uns ao lado dos outros podem ter reflexos ainda maiores na vizinhança -e não são alvos nem desse tipo de análise.
"Se juntar todos numa mesma rua, fica até pior do que um condomínio grande. Hoje em dia, só não é pior porque as pessoas já começam a mudar seus hábitos", avalia Luis Antonio Seraphim, especialista em trânsito e ex-assessor da CET.
Lucimeire Feliciano, que trabalha na Vila Olímpia, costuma adiar a volta à casa por duas horas e aproveita para trabalhar um pouco mais ou para ir papear com as amigas na padaria da esquina. "Antes eu aproveitava que tinha manicure aqui por perto. Agora estou vendo massagem e academia."
Marcelo Manhaes de Almeida, presidente da comissão de direito urbanístico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), acha que os impactos dos novos empreendimentos deveriam ser analisados como um todo. "Fica uma lacuna. Tudo deveria ser avaliado com base em uma fotografia geral, e não de forma pontual", diz.
"A visão atual é míope, medíocre", reforça Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em direito ambiental, para quem a prefeitura já poderia barrar empreendimentos nocivos à vizinhança com base em conceitos constitucionais e do próprio Estatuto da Cidade.
A CET admite que a avaliação feita é "particularizada", mas alega que faz projeções futuras, embora sem considerar empreendimentos não construídos -sob a alegação de que poderia superestimar as estimativas de impacto no tráfego. (ALENCAR IZIDORO)
Colaborou KARIN BLIKSTAD
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