Por uma “revirada” cultural

 

Camila Ferreira – Projeto Repórter do Futuro

Os números ainda não convencem. Os mais de dez milhões de habitantes da cidade de São Paulo, hoje, se espremem, ou desconhecem, cerca de 275 cinemas, 171 teatros, 13 casas de cultura, 35 centros culturais, 37 casas de oficinas culturais, 87 museus, 38 bibliotecas, 37 bibliotecas infanto juvenis, 26 CEUs e 179 casas de shows e concertos. Somente no bairro de classe média-alta de Pinheiros, na zona oeste da cidade, existem 40 cinemas, 14 teatros e 47 casas de shows. Número superior ao necessário, afinal são mais de 253.000 habitantes tendo 127 equipamentos culturais em sua região. Já os mais de 130.000 cidadãos do bairro de Parelheiros, na zona sul, não têm a disposição nenhum equipamento cultural. Nenhum.

O problema da gestão de política cultural municipal esteve no eixo central da discussão apresentada pelo Grupo de Trabalho (GT) de Cultura, formado por mais de 50 entidades e representados por Hamilton Faria, coordenador da área de cultura do Instituto Pólis, Teodora Ribeiro, coordenadora da cooperativa de Teatros de São Paulo, Maria Alice Nassif, gerente de ação sócio-educativa do Sesc de São Paulo e Eliane Santana Correia, representante da Revista Viração. As propostas apresentadas na tarde do terceiro dia do Fórum Nossa São Paulo se ligam, essencialmente, a proposta de criação de um Plano Municipal de Cultura.

“Cultura é cultivar”, afirmou Hamilton Faria. “As políticas públicas de cultura deverão ser o resultado de ações, propostas e diretrizes oriundas da sociedade, facilitadas pelos governos, e do diálogo intercultural na cidade”, atestou. Essas políticas, como lembrou Maria Alice, devem preservar o conceito de cultura entendida como “manifestação da identidade individual e coletiva”.

Para que isso aconteça, foi apresentada como proposta a distribuição proporcional de recursos para a área. Para que não ocorram casos como o dos bairros de Pinheiros e Paralheiros, o GT propõe que as subprefeituras mais deficitárias nessa setor e com maior população recebam mais verba. “O orçamento para cultura não é garantida por lei”, ressalta Maria Alice ao afirmar que esses recursos têm que representar, no mínimo, 2% do orçamento das subprefeituras.

“Não existe tradição de políticas culturais, o que existe é o suprimento de demandas”, lamenta Hamilton Faria. Ele lembra que há regiões que sequer tem orçamento para cultura.

Ana Carolina na periferia
A melhor distribuição de recursos para a área com a finalidade de implantar equipamentos culturais é o ponto inicial para uma política cultural eficiente, mas não deve ser isolada. “O conceito de espaço cultural não é apenas a criação de equipamentos culturais institucionalizados”, afirma Maria. Hamilton vai além: “A cultura não deve acontecer somente em seus templos”.

“O que é cultura?”, pergunta um professor. “É o canal 2”, responde o aluno. Essa pequena história é contada por Eliane Correia, 16, representante da Revista Viração na mesa. A jovem afirma que não sabe dizer o que é cultura e conta as dificuldades que um jovem da periferia tem em acessar esses equipamentos. “A gente que mora na periferia tem que ir até Pinheiros, gastando dinheiro? Um centro cultural na nossa região é uma grande idéia, porque se não tiver, o jovem fica na rua”.

Como um grito de protesto a estudante de ensino médio questiona o motivo pelo qual muitos instrumentos culturais não chegam a sua região. “Eu nunca vi levarem um show da Ana Carolina na periferia. Só mandam para gente o ‘Creu’, a ‘Dança da Cachorra’”. Apesar disso, Eliane reconhece que estilos como o funk têm seu papel e não são ruins. “Cada um tem seu estilo”, relativiza.

Por uma cultura de qualidade
Maria Alice afirma que apesar da desigualdade da distribuição dos equipamentos, da deficiência e insuficiência de funcionários especializados e da desinformação acerca da programação cultural da cidade, ainda é possível resguardar a cultura como um agente de desenvolvimento social.

Para Hamilton, cada paulistano tem que ser um agente cultural. Ele defende a idéia de que em cultura, “uma andorinha só faz verão”. “A sustentabilidade parte de uma ecologia individual”, acredita. Para ele a intenção do GT, ao elaborar as propostas, não é só ver a cultura de maneira institucional. “Temos que ver a cultura também do ponto de vista dos sistemas locais”.

“Vocês estão propondo uma ‘revirada’ cultural?”, perguntou um dos espectadores na rodada do debate. Hamilton respondeu prontamente: “Sim”. “Se a gente quer a gente consegue. Temos que insistir para tornar realidade essas propostas”, avalia Eliane.

Leia a íntegra do manifesto do GT de Cultura sobre as propostas para a área

** Os estudantes de jornalismo que participam do módulo Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter do projeto Repórter do Futuro realizam a cobertura multimídia do 1º Fórum Nossa São Paulo – Propostas para uma Cidade Justa e Sustentável.

 

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