Paulo Custodio dirige programa para transporte sustentável em grandes cidades chinesas e vê problemas nos corredores de ônibus de SP
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
Um engenheiro brasileiro tem uma das mais difíceis missões em tempos de crescimento acelerado na China: colocar ordem no trânsito de algumas das maiores cidades chinesas.
Tanto a escala como o propósito são inglórios. Os chineses começaram a comprar carros particulares em grande escala apenas na última década, depois de vários anos de miséria e bicicletas gastas. Vivem o sonho do carro próprio.
O paulista Paulo Sergio Custodio, 60, dirige o programa "Transporte Sustentável na China", patrocinado pela fundação americana Hewlett. A pedido do governo chinês, ele coordena a implementação de corredores de ônibus em cinco grandes cidades chinesas, de Ji’an (3 milhões de habitantes) a Chengdu (12 milhões).
Chefiando uma equipe de vários chineses e outros seis brasileiros, ele dá consultoria ao planejamento de transporte à prefeitura de Pequim.
Nesta semana, o governo de Pequim anunciou que vai cortar pela metade a circulação de carros particulares na cidade entre os dias 20 de julho e 20 de setembro. O rodízio será pelo algarismo final. Pares circulam em um dia, ímpares em outro.
Engenheiro pela Poli/USP, Custodio participou da implantação do elogiado sistema de transporte público Transmilenio, de Bogotá, e coordenou projetos patrocinados pelo Banco Mundial na Cidade do México, Jacarta e Nova Délhi.
"Só São Paulo consegue ter uma política de transportes pior que essas cidades", diz ele, que trabalhou no Metrô e no IPT, e que desde 1992 mora mais tempo fora que no Brasil.
Na entrevista que concedeu em Pequim, onde mora, defende os corredores de ônibus, critica o metrô e compara o que é feito no Brasil e na China.
DESEJO E PROGRESSO
O carro é um enorme objeto de desejo na China. É um símbolo de status, logo, muito difícil de convencê-los de abdicar dele. Eles argumentam que os países desenvolvidos ferraram o ambiente e agora querem impedir os chineses de realizar o sonho de ter carro.
As autoridades chinesas ainda se referem ao aumento de carros como sinônimo de progresso, parece o Brasil dos anos 1970, quando bairros inteiros foram destruídos para se alargar avenidas, fazer vias expressas, túneis e elevados. Em cidades desenvolvidas, como Londres, Nova York, Barcelona ou Paris, progresso é ter menos carros na rua. Mas parte do governo chinês já viu que trânsito é um problema e os corredores de ônibus começam a ser estimulados.
METRÔ
A nova linha 4 do metrô de São Paulo só vai ter 400 mil passageiros "novos" por dia. Os demais 500 mil são gente que já usa o metrô. São feitas 30 milhões de viagens diárias em São Paulo. Ou seja, o metrô custa uma fortuna para levar um grupo minúsculo. Mas veja o poder das empresas e a fortuna que move o metrô, veja a Alstom, então fica difícil competir com os corredores de ônibus.
CLASSE MÉDIA
A elite brasileira adora dizer que só dá para deixar o carro na garagem quando o transporte público for melhor. Isso é bobagem. Só vamos ter um melhor transporte público quando a classe média voltar a usar o transporte público. Só assim terá pressão política para melhorar com mais rapidez. Tem que começar por algum lugar, então acho que é dificultando o uso do carro. Enquanto transporte público for para pobre no Brasil, ninguém melhora.
ÔNIBUS CARO
Passagem de ônibus em São Paulo tem preço de Estados Unidos e serviço de África. Os ônibus são carroças, chacoalham sem parar, calorentos, feios e os corredores são piores ainda. E quem anda de ônibus é pobre, então ninguém quer corredor perto de casa, é como a cultura brasileira funciona.
REBOUÇAS
O corredor da Rebouças é tão ruim que serviu como uma antipropaganda contra os corredores em São Paulo. Um ônibus leva mais de dez minutos no corredor apenas para cruzar a Faria Lima. Enquanto uns poucos ônibus estão no ponto, os outros fazem uma fila enorme. 160 ônibus passam por ali, quando aquele corredor não agüenta mais de 30.
Em São Paulo, o passageiro tem que descer na calçada, pisar na rua, subir a escada do ônibus, fazer fila para passar pela catraca, esperar o troco. Tudo é muito lento. E a fila de ônibus aumenta. Um passageiro leva 0,3 segundo para entrar em um ônibus nos corredores de Bogotá. Em São Paulo, leva 1,8 segundo.
ULTRAPASSAGEM
Os pontos deveriam ser muito mais compridos para que vários ônibus pudessem parar para o embarque/desembarque por vez. E a faixa deveria ser mais larga para permitir a ultrapassagem. Se um ônibus já completou o movimento de passageiros, por que fica esperando? O bilhete precisa ser cobrado no ponto, fora do ônibus, ou eletrônico. Mesmo ruim como é esse corredor, 18 mil passageiros por hora passam ali de ônibus, enquanto são 3.000 por hora de carro. Quem ocupa mais espaço?
MINHOCÕES CHINESES
A China constrói vias elevadas sem parar. O governo central banca 50% da obra. Como a medida de desempenho dos prefeitos aqui é o crescimento do PIB, eles acabam embarcando nessas obras megalomaníacas para aumentar a economia da cidade.
Não há capacidade viária em São Paulo. Veja Pequim. Eles construíram vias expressas e viadutos na cidade inteira. Os chineses estão com muito dinheiro, nem precisam desapropriar porque os terrenos são do governo e as indenizações são irrisórias. E ainda assim, com via larga para todos os lados, a cidade vive congestionada. Em São Paulo, nem dá para fazer o mesmo.
PEDÁGIO
Pedágio urbano é promoção da igualdade social. O uso de automóvel é subsidiado no Brasil, o governo gasta muito mais com quem tem carro do que com o transporte público. A gasolina deveria ser mais cara. O automóvel precisa pagar o alto custo que provoca à sociedade.
VELOCIDADE MÍNIMA
São Paulo precisa reduzir hoje 25% dos carros nas ruas para ter uma velocidade mínima. Além de pedágio urbano, sou a favor de se restringir o estacionamento, usando a faixa de carros estacionados para a criação de ciclovias. A viagem média de um motorista em São Paulo é de 9 km. Um percurso de cinco quilômetros em São Paulo de bicicleta pode ser feito facilmente em 20 minutos, enquanto dependendo da hora, de carro leva o dobro disso.
TRÊS HORAS NO CARRO
Xangai já tem um trânsito impossível. Levei três horas de carro ao sair do aeroporto para uma viagem que eu fazia em uma hora. Eles já sentem que precisam reduzir o uso do carro. Em agosto, um congresso em Shenzhen vai discutir o pedágio urbano. Não duvido que eles tomem atitudes muito mais rapidamente que no Brasil.
PONTOS "HABITÁVEIS"
Trabalho para Pequim e outras cidades chinesas o conceito de habitabilidade. E de desenvolver as cidades facilitando o uso do transporte público. As áreas no entorno das estações de metrô ou nos grandes terminais de ônibus devem ser agradáveis e seguras. Em dois quilômetros ao redor, deve haver boa iluminação, ruas arborizadas, calçadas largas, espaço para bicicletas, fomentar a existência de bares, restaurantes, academias de ginástica, mercadinhos por perto para ter gente por perto dia e noite.