Estudo aponta distorções no serviço público no Brasil

 

Com o objetivo de buscar saídas jurídicas para se combater a corrupção no País, a organização Voto Consciente realizou um estudo durante quatro meses, coordenado pela cientista política Rita de Cássia Biason, professora de Relações Internacionais na Unesp. De acordo com o estudo, em 2007 entraram 11.939 funcionários por concurso no serviço público federal, seis vezes mais do que os 75.987 contratados para cargos e funções de confiança. Além disso, 12.523 funcionários foram contratados em regime temporário. Os números atestam o principal problema apontado por apontado por promotores públicos, juízes e especialistas: o desvirtuamento na contratação de funcionários públicos.

O estudo foi feito em parceria com a Transparency Internacional e vai contribuir com uma futura convenção Anti-corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para realizar a pesquisa, a ONG Voto Consciente recebeu da OEA um questionário com quatro temas que foi analisado com ajuda de juristas. Os temas se referem a: contratação de funcionários públicos; o modo como o Estado adquire bens e serviços; a proteção de testemunhas que se dispõem a fazer as denúncias; a tipificação dos crimes de corrupção de modo a tornar mais rápido o enquadramento e o julgamento. Veja abaixo um resumo do estudo realizado sobre os quatro temas.

1- Sistemas para a contratação de funcionários públicos

Em 2007, ingressaram no serviço público federal brasileiro por concurso 11.939 funcionários e 12.523 por regime de contratação temporário.  Na contratação de cargos e funções de confiança e gratificações do poder público federal foram 75.987 – 20.187 se referem ao DAS (Diretoria e Assessoramento Superior), que abrange cargos  de alta direção e assessoria até cargos médios de gerência. O principal problema, apontado por promotores públicos, juízes e especialistas, diz respeito aos desvirtuamentos na contratação de funcionários públicos praticados nos últimos anos.

A legislação brasileira trata de funções de confiança e cargos em comissão. O cargo em comissão deveria caber exclusivamente aos executores de políticas públicas – por exemplo, secretários estaduais, ministros etc. Recomendam-se duas mudanças legislativas sobre esse assunto: 1) a normatização de contratação dos servidores da união em regime jurídico único, a fim de eliminar as figuras de temporário e terceirização; 2) a elaboração de uma lei ordinária que discipline um baixo percentual de cargos em comissão.

2- Sistemas para a aquisição de bens e serviços por parte do Estado

O processo licitatório instituído pela Lei nº 8.666/1993 consolidou, no plano legal, o dever do rigoroso cumprimento das condições previstas no edital, a realização de um julgamento objetivo, a adjudicação compulsória e a ampla defesa. Na aquisição de bens e serviços para o Estado, a prática de corrupção pode ocorrer tanto por meio do agente público que oferece vantagens em troca do pagamento de subornos, quanto do agente que recebe a propina em troca da escolha do vencedor. Nos últimos anos, foram identificadas três modalidades de corrupção em licitações e contratos: a) acordo prévio entre participantes; b) superfaturamento; c) autonomia do Executivo para definir especificações subjetivas nos processos de licitação.

Há sete recomendações de mudanças: a) evitar que se feche o mercado nos processos licitatórios, introduzindo uma lógica parecida com a do pregão eletrônico, em que há lances entre os participantes; b) evitar as emendas orçamentárias aditivas que destinam mais recursos para uma obra já em andamento e usualmente são indicadoras de práticas ilícitas; c) uniformidade das regras e de boas práticas para todas as regiões administrativas; d) desenvolver mecanismos para incentivar a boa execução de contratos de licitação; e) priorizar os contratados bem avaliados na execução do contrato através de um cadastro unificado  de informação sobre licitantes; f) criar incentivos funcionais para bons gestores públicos, como: promoção e gratificação salarial; g) elaboração de um catálogo de material com especificação de produtos, para evitar desvios na etapa de compras e aquisição de bens.

3- Mecanismos de denúncia contra atos de corrupção e de proteção a funcionários públicos e cidadãos

No Brasil, as regras que disciplinam a apresentação de denúncias contra atos de corrupção são tratadas de forma esparsa pela legislação. Dependemos fortemente de denúncias de integrantes dos esquemas de corrupção. Há quatro recomendações: a) ampliação do recurso de delação premiada para todos os réus e testemunhas com envolvimento criminal em atos de corrupção; b) ampliação do benefício de alteração dos dados pessoais (nome e endereço) das vítimas de atos de corrupção, com alto risco à ameaça; c) lei federal tornando obrigatório o programa de proteção às vítimas e testemunhas a todos os Estados brasileiros; d) criar dispositivos legais que permitam que o programa de proteção seja coordenado pelo Estado e não pelo Governo, criando e propiciando estabilidade e recursos financeiros para o programa.

4- Tipificação de atos de corrupção no ordenamento jurídico brasileiro
 
Os atos de corrupção tipificados no Artigo VI da Convenção Interamericana contra a Corrupção correspondem a condutas previstas na legislação brasileira como crimes, atos de improbidade administrativa e infrações de natureza ética. Para esses crimes, são previstas as penas de reclusão, detenção e multa, conforme o ato cometido.

O Brasil apresenta dois principais mecanismos legais de controle sobre atos de corrupção: a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) e o Código Penal.  No caso das condenações administrativas, as provas costumam ser mais evidentes e juridicamente eficientes. No segundo caso, do Código Penal, há algumas vulnerabilidades que dificultam a condenação, cabendo ao promotor provar que o acusado agiu de modo corrupto. Recomenda-se: a) aplicação da lei de improbidade administrativa para funcionários e políticos do primeiro e do segundo escalão da administração púbica federal, permitindo a aplicação da lei de improbidade administrativa a todos os ocupantes de cargos públicos; b) a ampliação da utilização do processo virtual e permissão para distribuir digitalmente as ações de intimação e utilização do dispositivo de certificação digital, nos processos de atos de corrupção; c) promover a integração e aproximação entre a polícia e o Ministério Público, facilitando a investigação de atos de corrupção; d) estabelecer critérios qualitativos para priorizar a investigação de atos de corrupção mais custosos e mais danosos para a sociedade.

 

 

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