Fonte: O Estado de S.Paulo
Primeira a entrar no ar foi a de Heliópolis; mais 45 pontos devem iniciar transmissões
Bruno Paes Manso
Com uma vitrola e grandes cornetas amarradas em um poste, anunciando para a comunidade as datas das reuniões de moradia, distribuição de leite e vagas em creche, a Rádio Heliópolis começou a funcionar na zona sul em maio de 1992. Em 2006, com antena, transmissor e 50 voluntários no batente, a rádio teve todo os equipamentos apreendidos pela Polícia Federal e ficou um ano fechada.
No Tucuruvi, em 1996, o padre Dorvalino Silva, da Paróquia Santa Joana D?Arc, comprou um transmissor, antena e microfones para dialogar com moradores e tocar músicas. Quatro anos depois, foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto, proibido de sair do Estado por mais de oito dias e tendo de fazer visitas mensais à Justiça. Fechou a rádio no ano 2000.
Após quase 20 anos atuando na clandestinidade, 72 associações comunitárias em São Paulo devem ter suas rádios legalizadas para transmitir de 45 pontos espalhados por toda a cidade, dez anos depois de ter sido sancionada a lei que regulamenta a radiodifusão comunitária no Brasil.
A primeira autorização chegou em maio, levada a Heliópolis pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Outros seis processos aguardam a assinatura do ministro para que as rádios sejam legalizadas. A expectativa de entidades do setor é que todas as rádios estejam funcionando até o final do ano.
"No dia-a-dia, não existem grandes mudanças com a legalização, a não ser o fato de que agora não estamos mais na mira da polícia", avalia Cláudia Neves Pires, diretora da Rádio Heliópolis. Os desafios em obter recursos permanecerão os mesmos. A rádio consegue R$ 400 mensais em apoio cultural, o que nem sempre é suficiente para arcar com as despesas. "Mesmo assim, trata-se de uma vitória importante."
Para que cada rádio pudesse ser regularizada, as associações de bairro enfrentaram um longo e burocrático processo de seleção. Em setembro de 2006, o Ministério das Comunicações recebeu a documentação de 153 rádios que desejavam se habilitar. Foram aprovadas 117, para 33 pontos na cidade. Iniciaram-se conversas entre associações e o ministério para se chegar aos 45 pontos em São Paulo. Cada ponto deve estar a uma distância de quatro quilômetros um do outro, para que não ocorra interferência. As associações preteridas voltaram a conversar entre si para combinar transmissões em conjunto, o que aumentou o total de entidades beneficiadas.
As 72 entidades que aguardam a regularização foram escolhidas segundo o número de assinaturas colhidas na comunidade local, o que desagradou às entidades que militam no setor. "Todas as 117 rádios deveriam buscar a composição, em vez de competirem. Ficaram de fora do processo rádios que, apesar de não terem assinaturas suficientes, eram importantes para as comunidades. O diálogo seria importante para que todas pudessem se beneficiar", avalia o jornalista Sérgio Gomes, diretor da Oboré e representante no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc).
Todas as rádios funcionarão em um único canal – o 198, freqüência 87,5 MHz no dial -, com antenas que poderão ter no máximo 30 metros de altura e transmissor capaz de alcançar 25 watts de potência. Dessa maneira, cada rádio consegue atingir distância máxima de um quilômetro. As rádios ainda não podem ter publicidade e devem funcionar por meio do apoio de entidades culturais locais, situadas nessa faixa de um quilômetro.
FORÇA-TAREFA
Na segunda semana de junho, uma força-tarefa composta pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Polícia Militar Ambiental e Polícia Federal deu um passo importante para abrir caminho para a transmissão das rádios comunitárias em São Paulo. Em um ponto escondido da Serra da Cantareira, na zona norte, em mata fechada, fechou a Rádio Samba, que, apesar de pirata, era uma das mais populares de São Paulo. Vendia espaço para comercial de empresas que compravam cheques protestados e limpavam nomes sujos na praça.
Operando com 2.500 watts de potência, cobria toda a região metropolitana de São Paulo, alcançando até Cotia. Para piorar, a rádio atuava justamente no canal 198 ou na freqüência 87,5 MHz, o mesmo a ser disponibilizado para as rádios comunitárias. Apenas uma locutora da rádio foi encontrada no dia da batida policial. Houve interrupção do sinal e apreensão de equipamentos. Assim como aconteceu outras vezes, contudo, nada impede que a rádio volte a funcionar de novo esconderijo.
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