Betina Sarue
Gerar trabalho e renda, incluir trabalhadores no mercado formal, combater a pobreza e a desigualdade social. Recuperar a auto-estima dos artesãos, formar e promover a identidade cultural. Realizar tudo isso é a missão comum de três projetos da capital paulista, especializados na divulgação e venda de produtos de origem exclusiva do comércio justo – as associações Mundaréu, Ponto Solidário e o Projeto Terra.
O comércio justo é baseado na venda de produtos que tragam benefícios ao produtor e sejam fabricados com responsabilidade em relação ao meio ambiente e ao trabalhador. Os critérios dessa forma de comércio estabelecem que a remuneração dos trabalhadores deve ser justa; que o grupo produtor deve assegurar e promover a igualdade entre homens e mulheres; que o grupo produtor deve buscar o desenvolvimento conjunto da população; que a produção deve respeitar o entorno social e natural; e que o produto tem que ser de qualidade.
Além de vender os produtos, a Mundaréu articula um programa de formação dos artesãos, a partir do qual se propõe a cobrir o vácuo existente na sua educação formal e qualificação profissional. Renata Mendes, diretora-tesoureira da associação, explica que o programa de capacitação desenvolvido com comunidades trata de temas como a sensibilização para o empreendedorismo, o aperfeiçoamento das habilidades técnicas, o desenvolvimento dos produtos a partir de pesquisas de mercado, a gestão administrativo-financeira e a ampliação do universo cultural do artesão, que envolve, além do crescimento do seu repertório individual, a promoção de referenciais de criação. "Para este módulo, o programa leva os grupos a feiras de artesanato, a exposições de arte e de design, que o ajudam a reconhecer o gosto dele e o gosto do outro", conta Renata. Em São Paulo, a Mundaréu tem uma parceria com a Pinacoteca do Estado, que cria atividades especiais para estes grupos. "Eles estudam um tema específico, como composição de forma e cor. Fazem a visita e, ao final, têm um laboratório prático", explica.
Em algumas comunidades, esse tipo de trabalho auxilia na criação da identidade cultural das pessoas envolvidas. É o caso de um grupo de costureiras formado no Guarujá, cidade no litoral paulista. "A maioria mora lá há muito tempo, mas essas mulheres não nasceram lá, são migrantes, grande parte vem do Nordeste. Como podem ter uma identidade com a cara daquele grupo? Que referências o grupo vai ter, se cada uma é de um lugar e nem conhece direito onde vive? Fizemos então um passeio pelo Guarujá, pelo mar, olhado o que tem na cidade e suas cores. É um incentivo para a criação", descreve Renata.
Ela lembra que, por trás de todo o programa, está a geração de renda. Na maior parte dos casos de comunidades que trabalham com comércio justo, a iniciativa vem de empresas que financiam projetos de geração de renda nos arredores de sua indústria ou seu ponto comercial. "São poucas as oportunidades de trabalho para quem não tem escola e formação profissional", afirma Renata. O grupo de costureiras foi criado a pedido da Elektro, a companhia de energia do Guarujá, que decidiu investir no programa como uma das formas de combater inadimplências na contas de luz.
Já a Associação Ponto Solidário busca um leque maior de comunidades assistidas, por meio da parceria com organizações que variam desde ONGs e cooperativas a artesãos e tribos indígenas. A associação tem hoje parceria com cerca de 150 fornecedores, e seu projeto está sustentado na valorização do artesanato como objeto de transformação social e recuperação de auto-estima. "A cultura popular brasileira é muito rica, e procuramos trabalhar com produtos de várias regiões do Brasil, sempre valorizando a identidade cultural de cada uma", conta Idália de Almeida, coordenadora do projeto. "O artesanato mantém vivas a tradição e a cultura das regiões, é fonte de renda familiar e é uma atividade sustentável, que mantém o artesão em sua comunidade sendo uma alternativa de trabalho."
A Ponto Solidário possui um vasto catálogo, que representa a enorme diversidade cultural mencionada por sua coordenadora. Há, por exemplo, estatuetas em cerâmica feitas no Vale do Jequitinhonha, luminárias de bagaço de cana, agendas, bolsas e álbuns fotográficos de saco de cimento reciclado, cordéis de Juazeiro do Norte ilustrados com xilogravuras, sabão feito com óleo de cozinha usado, brinquedos, colares, peças em marchetaria e diversas outras produções artesanais. São exclusividade da associação o Canjinjim, uma bebida artesanal com propriedades afrodisíacas e produzida por quilombolas do Mato Grosso desde o período colonial, e os sabonetes de babaçu do Maranhão, feitos por um grupo de mulheres que se uniram em defesa dos babaçuais, e que são muito disputados dentre os artigos para brindes corporativos.
Um forte elo entre empresas e comércio justo tem sido formado por meio dos brindes corporativos, distribuídos por empresas que queiram presentear seus funcionários, parceiros ou clientes com produtos que tenham um valor social ou ambiental agregado. Para Frederico Muraro Filho, diretor de Higiene, Segurança e Meio Ambiente para a América Latina da Pirelli, "há uma empatia imediata com o brinde e com a atitude. As pessoas se sentem orgulhosas e satisfeitas ao saber que trabalham em uma empresa com tal preocupação". Há três anos a Pirelli compra brindes corporativos para o dia internacional das mulheres na Associação Ponto Solidário, e segundo Frederico, eles contribuem para a imagem da empresa da maneira mais eficiente: a propaganda boca a boca. Ele explica: "ao se sentir feliz ou satisfeito por alguma medida positiva que a empresa tenha feito ou incentivado, direta ou indiretamente, o colaborador divide esse sentimento de orgulho com seus familiares e amigos. Isso contribui para a imagem positiva da empresa em dimensões inimagináveis". A Pirelli, por sua vez, vê de maneira muito positiva as iniciativas do projeto, pois compartilham os valores que a empresa busca: "parte dos projetos socioambientais desenvolvidos ou apoiados pela Pirelli são voltados à inclusão social e respeitam as premissas de resgate da auto-estima, geração e promoção de renda, além de promoção da identidade cultural."
Roberto Felix, responsável pelos brindes corporativos do Ponto Solidário, comenta o valor que existe por trás destes pequenos presentes: "vendemos muito mais que um produto ou brinde para empresa. Vendemos uma vivência, um processo, um jeito de fazer diferente. Junto com a peça, vem uma parte de cada artesão, vem sua cultura, sua comunidade, seu meio ambiente. Dessa maneira, vamos descobrindo nosso Brasil e valorizando as pessoas pelo seu trabalho."
O Projeto Terra trabalha com o conceito de consumo solidário. O projeto acredita em justiça social e correção ambiental a partir da valorização da cidadania, do patrimônio cultural e dos recursos naturais, tudo isso na forma de uma vitrine de produtos que se tornam acessíveis ao consumidor crítico e consciente. O site do Projeto explica o que isso significa: "Acreditamos em vender produtos que tenham histórias para contar, que representem todo um conjunto de valores, permitindo a transformação do ato de comprar em uma ação efetiva de mudança, para melhor, das condições de vida das nossas cidades e do nosso país".
Os compromissos abraçados pelos três projetos baseados nos princípios do comércio justo apontam para a responsabilidade do consumidor, seja ele a empresa ou o indivíduo, o que vai atrair mais empresas para essa causa. Por isso, lembram: na hora de escolher o produto, os consumidores devem considerar os preceitos do comércio justo. Renata Mendes, da Mundaréu, conta como o consumidor já percebe a importância dos valores que estão por trás daqueles produtos. "Quando encomendam os produtos, os consumidores querem conhecer a história deles", conta Renata.
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