Implementação das regras de responsabilidade social nas organizações deve ser aprovada por países em setembro, no Chile
Norma deverá ser tornar a principal referência mundial de responsabilidade social para empresas, governos e organizações da sociedade
ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A implementação da ISO 26000, prevista para 2010, está próxima de um passo decisivo: a aprovação de seu conteúdo final, que pode acontecer na reunião que será realizada entre 1º e 5 de setembro em Santiago, no Chile, com representantes dos diversos países envolvidos nas discussões sobre o conteúdo da norma.
"As expectativas sobre a reunião de Santiago são, além de muito grandes, bastante positivas", diz o gerente de Normalização Internacional da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), Cláudio Guerreiro. Além de representar a ISO no Brasil, a ABNT é uma das líderes do processo de discussão da norma, ao lado da sueca SIS.
"Estamos otimistas de que finalmente conseguiremos fechar o texto dessa versão da minuta que será apresentada em Santiago. É um avanço muito importante, pois com isso teríamos a norma com seu conteúdo praticamente fechado, faltando somente definir questões de edição, de forma", diz Ana Paula Grether, da Petrobras, especialista que representa a indústria na delegação brasileira nos grupos de debate.
Quem acompanha as discussões da ISO 26000 desde a sua origem, em 2005, sabe da importância desse passo. Tanto pela representatividade global que adquiriu (são mais de 300 especialistas de 77 países) como pela força da ISO -International Organization for Standardization nas padronizações internacionais, a norma que busca afinar as definições de responsabilidade social e orientar a aplicação desses conceitos nas organizações já nasce com potencial para se tornar a principal referência mundial de responsabilidade social para empresas, governos e organizações da sociedade civil.
É exatamente por isso que ela tem provocado, ainda que nos bastidores, tanta polêmica. Ao tratar de praticamente todos os temas que envolvem o relacionamento das organizações (sejam elas empresas, governos, ONGs etc.) com os seus públicos, as discussões sobre o conteúdo da ISO 26000 nunca geraram consenso entre os participantes. A ponto de se decidir que a norma, ao contrário das demais da família ISO (como a 9000 ou a 14000), não seria certificável. Ou seja, que ela será apenas uma diretriz, uma orientação da responsabilidade social para as organizações, mas sem nenhum selo de certificação a ser conquistado.
"Originalmente, a idéia era fazer uma norma certificável, mas a ISO 26000 não conseguiu isso. O motivo desse fracasso é que o setor social é extremamente complexo em todo o mundo, com agentes totalmente diferentes. E a padronização, diante dessas nuances, é quase impossível", diz o presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), Marcos Kisil.
Representantes da indústria de diversos países não disfarçaram o temor de que, não sendo certificável, a norma pudesse acabar excessivamente genérica, vazia. Ao mesmo tempo, consultorias viram na decisão a perda de um enorme mercado potencial de certificação.
Além disso, setores que representavam os trabalhadores temiam que as normas da ISO pudessem se sobrepor às conquistas de acordos feitos sob o manto da Organização Internacional do Trabalho, ao passo que governos de países em desenvolvimento questionavam se a 26000 não poderia se tornar uma barreira não-tarifária.
E assim, entre tantos debates, o conteúdo da norma nunca avançou de fato. Foi o que aconteceu, por exemplo, na última grande reunião, realizada em novembro de 2007, em Viena, onde a terceira minuta não foi aprovada. "Agora, após diversas reuniões regionais em vários países, chegamos a um consenso inédito em relação ao texto. Poderia até dizer que em torno de 90%", afirma Grether.
Pontos ainda polêmicos
Alguns pontos da norma ainda geram debate. É o caso da questão relacionada à esfera de influência de cada organização na responsabilidade social. Em outras palavras, até que ponto da cadeia uma empresa, por exemplo, tem responsabilidade de garantir que seus fornecedores não agridem o ambiente, ou respeitam as leis trabalhistas.
Outro ponto de discussão é como serão tratadas na norma as demais iniciativas e práticas de responsabilidade social que já existem e já são aplicadas nas organizações, como o Pacto Global, a AA 1000, a GRI (Global Report Initiative), entre outras, que querem estar respaldadas pela ISO 26000. Por enquanto, decidiu-se que apenas as Declarações da OIT e dos Direitos Humanos, da ONU, terão esse respaldo formal. As demais práticas serão tratadas na norma em anexos separados.
A própria ISO reconhece que o tema é complexo. "Há uma série de opiniões diferentes quanto à abordagem correta para a questão, que vão desde uma legislação rigorosa, de um lado, até a liberdade total, de outro. Estamos à procura de um meio-termo que promova o respeito e a responsabilidade baseados em documentos de referência reconhecidos, sem asfixiar a criatividade e o desenvolvimento", relata a organização no texto de apresentação sobre a norma.
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