SIM:
Alexandre de Ávila Gomide*
Os congestionamentos e as más condições do transporte público são problemas reais das cidades brasileiras. Pesquisas do Ipea avaliaram os gastos causados pelos engarrafamentos. No que se refere aos custos do tempo perdido e da poluição, os valores atualizados pela Associação Nacional dos Transportes Públicos para 2003 atingiram R$ 10 bilhões por ano nas áreas urbanas. As pesquisas mostraram que os engarrafamentos aumentam o número de veículos necessários para realizar os serviços de ônibus urbano, aumentando as tarifas.
Ao decidir usar seu automóvel, o motorista leva em consideração apenas o custo adicional com aquela viagem. Ele não leva em conta que causará custos para outras pessoas: o congestionamento tem relação direta com o número de veículos numa via, a entrada de mais um carro contribui para o aumento do tempo perdido das demais pessoas.
Cingapura foi a primeira a adotar o pedágio urbano para reduzir os engarrafamentos, em 1975. Tal política parte do princípio de que o causador deve assumir a totalidade dos custos gerados pela sua opção, e não reparti-los injustamente com a sociedade.Os resultados foram bem-sucedidos. Mas foi o sucesso da experiência londrina que atraiu a atenção dos gestores públicos. Desde fevereiro de 2003, quem entra com carro no centro de Londres nos dias úteis, das 7 às 18 horas,paga uma taxa, cobrada eletronicamente. Segundo a Transport for London, a medida reduziu o tráfego em 20% e foi gerada receita líquida de mais de 60 milhões de libras por ano, investida no transporte público. Destacam-se também os benefícios para o meio ambiente urbano. O número de bicicletas em circulação subiu, e o tempo médio das viagens de ônibus caiu. A medida foi um dos carros-chefe da campanha vitoriosa de reeleição do prefeito da capital britânica em 2004.
No Brasil, São Paulo adota o rodízio.Mas avalia-se que tal medida tenha se esgotado, devido à compra de um segundo carro com placa diferente. O pedágio urbano é considerado mais eficiente, pois gera receita para investir no transporte público.
O senso comum diz que para resolver os congestionamentos basta aumentar a capacidade das vias.A realidade tem refutado tal prescrição. A cada viaduto ou via nova, surgem mais carros, pois essas obras incentivam o uso dos automóveis.
O pedágio urbano é uma forma de melhorar o trânsito e o transporte público.A mera cópia de práticas de outros países pode apresentar maus resultados, devido aos distintos contextos. Mas, se nada for feito, os congestionamentos só aumentarão ao longo do tempo. Por que não experimentar?
*Alexandre de Ávila Gomide é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
TALVEZ:
Oded Grajew*
A preocupação com as mudanças climáticas começou a ganhar a atenção dos paulistanos quando um problema da cidade chegou ao limite do suportável: o caos no transporte coletivo e individual e o agravamento da poluição.
Se, há algumas décadas as indústrias eram os grandes vilões, hoje os carros são a principal fonte emissora de poluentes. Na Grande São Paulo, 95% das emissões de gases como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos saem dos veículos. A poluição do ar mata 12 pessoas por dia na capital, segundo a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A presença de material inalável na atmosfera (principalmente a enorme quantidade de enxofre presente no diesel) atinge o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. É como se o paulistano fumasse dois cigarros por dia, o que reduz em um ano e meio a expectativa de vida.
Nesse cenário, torna-se evidente a necessidade de soluções (de curto, médio e longo prazos) que garantam alternativas viáveis e eficientes para a população. A proposta de pedágio urbano – rejeitada por 87% dos paulistanos, segundo pesquisa realizada em janeiro pelo Ibope, em parceria com o Movimento Nossa São Paulo -, poderia, inclusive, ser descartada. O rodízio de veículos, em vigor há mais de dez anos, poderia ter sido evitado.
Não existe fórmula mágica nem receita única. São fundamentais iniciativas tanto do poder público quanto da sociedade civil. O Movimento Nossa São Paulo colocou à disposição no portal www.nossasaopaulo.org.br um conjunto de cerca de 1,5 mil propostas formuladas por centenas de cidadãos, organizações sociais e empresas para a cidade. Grande parte é dedicada à mobilidade urbana e à melhoria do transporte coletivo. O que, além de contribuir para a redução dos congestionamentos, poderá melhorar a qualidade do ar e, conseqüentemente, elevar a qualidade de vida da população.
Mas é importante lembrar que, em uma cidade com dimensões territoriais gigantescas como São Paulo, a crise na mobilidade urbana está diretamente relacionada à desigualdade social. A má distribuição dos equipamentos e serviços públicos e privados pelo Município obriga milhões de paulistanos a fazerem grandes deslocamentos para estudar, trabalhar, ir ao médico, pagar contas. Medidas preventivas – e não só as que se restringem especificamente à circulação de veículos – podem evitar soluções restritivas e contribuir para construção de uma cidade mais justa e sustentável.
*Oded Grajew é integrante do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
NÃO:
Paulo Tarso Vilela de Resende*
A implantação do pedágio urbano poderá representar perigo para o planejamento de longo prazo, pois se caracteriza pelo caráter imediatista no combate a um erro histórico de falta de planejamento urbano. A situação exige decisões corajosas, e o pedágio urbano é uma delas. Mas é uma ação que vai penalizar a sociedade como a única responsável pelos erros de gerações de administradores públicos mal preparados. Tecnicamente, as conseqüências da implantação do pedágio urbano serão negativas tanto para a economia paulistana, quanto para o resto do País, já que São Paulo tem forte influência na capacidade produtiva brasileira.
Existem duas situações nas quais alguns países optaram pelo pedágio urbano. A primeira é de alívio no congestionamento, mas acompanhada de oferta eficiente de alternativas, principalmente ligadas ao transporte coletivo. A segunda é aquela em que o pedágio é implementado sem compensação, transferindo-se o ônus para o usuário. Situações como essas não podem continuar se repetindo no Brasil, a não ser que haja uma alocação permanente dos recursos resultantes para o investimento no aumento da mobilidade – e isso não é garantido, pois o Brasil é conhecido pelo uso de recursos específicos para outros fins.
Mas a crítica pela crítica pode ser tão próxima do equívoco quanto o projeto em questão. Alternativas precisam ser apresentadas, até como contribuição para as atuais e futuras administrações. A primeira passa por uma campanha de conscientização dos usuários, visando encontrar microrreduções do congestionamento, que, somadas, apresentam volumes importantes, tais como: carona solidária, estacionamentos verticais, direção social, semáforos inteligentes etc. Outra está na implementação de corredores estratégicos, com tratamentos para garantir a mobilidade, por exemplo: restrições de tipos de veículos, estacionamentos, equipamentos especiais para assistência técnica, mudanças de tempos de semáforo e fiscalização permanente. É óbvio que a lista não termina por aqui, e com criatividade muito mais pode ser feito. Não obstante, a oferta de um transporte coletivo de qualidade não pode ser deixada de lado.
Há cerca de 30 anos, as regiões metropolitanas brasileiras apresentavam sintomas de congestionamento que apontavam para o quadro atual. Quando se comentava sobre soluções, alegava-se que nenhum milagre poderia ocorrer no curto prazo – ou seja, obras sempre demoram e, por isso, deveríamos continuar com os investimentos de forma permanente. Isso não aconteceu. Agora temos as soluções de rodízio, pedágio urbano, restrições de acessos. Não irão aliviar a necessidade do debate com profundidade. Que os grandes projetos comecem agora.
*Paulo Tarso Vilela de Resende é doutor em Planejamento de Transportes e Logística pela University of Illinois at Urbana-Champaign
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