Milton Júnior
Diversos Projetos de Lei (PLs) que tratam da punição e prevenção à corrupção, classificados como prioritários, dispensam exigências regimentais para serem incluídos na “Ordem do Dia”, mas, mesmo assim, chegam a esperar quase 15 anos para serem votados. Caso estes projetos fossem aprovados, o Brasil contaria hoje com, pelo menos, mais 68 instrumentos legais de controle da corrupção. Clique aqui para ver os projetos e em que situação se encontram.
Apenas em 2007, foram apresentadas 31 propostas de combate à corrupção – um número a menos do que as proposições sugeridas entre 1993 e 2006. Em 2008, foram mais cinco projetos de lei colocados à apreciação dos parlamentares. Todos versam sobre ações preventivas diretas e indiretas sobre corrupção. Algumas dessas iniciativas legislativas tramitam em conjunto.
Em diversos diagnósticos e estudos realizados sobre a corrupção no Brasil, verifica-se que os casos e escândalos se alimentam, muitas vezes, na mesma fonte. A imunidade parlamentar, por exemplo, é um desses sustentáculos. Outros pontos relevantes seriam o de sigilo bancário excessivo, a falta de transparência nos gastos públicos, a elevada quantidade de funções comissionadas e a morosidade da Justiça (veja aqui os pontos principais facilitadores da corrupção).
Além destes, a falta de critérios para elaboração e repasses de recursos de emendas parlamentares também é um problema. A propósito, este foi alvo do PL 2850/08, de autoria do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que caracteriza como crime a utilização das emendas parlamentares à lei orçamentária como instrumento de barganha para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso.
A Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou, no último dia 22, os primeiros dados da lista contendo o nome de candidatos à eleição desse ano que respondem a processos na Justiça – os apelidados "ficha suja". Mas a polêmica suscitada pela lista não é recente. No topo da relação de PLs pró-combate à corrupção está o PLP 168, capaz de impedir que indivíduos já condenados por crimes graves tenham acesso a cargos eletivos. O PLP 168 é o mais antigo dos projetos que tramitam no Congresso – desde 1993. Clique aqui e veja há quantos anos as proposições tramitam.
Em 2005, o consultor legislativo do Senado, Marcos Mendes, apresentou ao Congresso um denso estudo sobre o PLP 168/93, no qual destrinchou argumentos sobre a importância da aprovação do projeto. No estudo, Mendes explica que o objetivo desse projeto é tornar eficaz o estatuto da inelegibilidade de pessoas condenadas por crimes contra a economia popular, o mercado financeiro, a administração e o patrimônio público ou por crimes eleitorais.
Segundo o consultor, a Lei Complementar 64/90 (Lei de Inelegibilidade) já estabelece essa determinação, contudo é ineficaz, pois estipula que a condenação deve ser em última instância. “Isso permite que os réus lancem mão de recursos protelatórios e continuem se candidatando ao longo de muitos anos”, afirma Mendes em seu estudo.
Para o consultor legislativo, a medida é urgente, frente à necessidade de conter os atos de corrupção na gestão pública e de evitar a infiltração do crime organizado nas instituições. “O projeto constitui um complemento à reforma política que, por meio de alterações no processo eleitoral, pretende reduzir os incentivos ao uso da corrupção como instrumento de barganha política”, argumenta. Mas o estudo de Mendes não foi o suficiente para convencer o Congresso. O projeto continua “pronto para a Ordem do Dia” desde novembro de 2001.
De acordo com o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, existem ainda outras proposições relacionadas ao combate à corrupção, além das 68. Segundo o deputado, em agosto de 2007, por ocasião da “Operação Navalha” da Polícia Federal, designada a desmontar uma quadrilha fraudadora de licitações de obras públicas, a presidência da Câmara prometeu prioridade na apreciação de alguns dos projetos. “É lamentável que a Casa até agora não tenha cumprido essa promessa. E o pior é que, aparentemente, não há motivos para não colocar esses projetos em votação”, afirma Paulo Rubem.
O parlamentar afirma ainda que recentemente apresentou ofício ao presidente Arlindo Chinaglia pedindo a constituição de uma Comissão Especial para apreciar de maneira sistemática e acelerada os projetos prontos para votação. Mas ele garante que, até o momento, Chinaglia não demonstrou interesse em atender o pleito.
Dentre as propostas que tramitam lentamente, encontra-se também o projeto de lei 1.142/07, de autoria do deputado Henrique Fontana (PT-RS), que responsabiliza criminalmente as empresas que praticam corrupção. Em justificativa à proposta, o deputado afirma que o objetivo é “atacar a corrupção nos focos em que ela se origina, ou seja, através de representantes políticos, de funcionários públicos e de empresários que praticam a corrupção”. Fontana acredita que pequenas mudanças na lei não garantem o fim da corrupção, mas se pode dificultá-la por meio de um maior controle e de penalidades severas aos infratores.
Outro projeto moroso no Congresso Nacional, formulado pelo deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), determina a obrigatoriedade do registro dos dados sobre a execução orçamentária e movimentação financeira das empresas estatais federais no Sistema Integrado de Administração Financeira – Siafi, do governo federal. Outro, do deputado Antônio Bulhões (PMDB-SP), proíbe o recebimento, por parte dos partidos políticos e candidatos, de doações de pessoas físicas ou jurídicas devedoras a qualquer título de órgãos ou entidades da administração pública.
A posição da Câmara
Segundo a presidência da Câmara dos Deputados, Casa detentora do maior número de proposições em tramitação no Congresso, apenas a deliberação nas reuniões dos lideres partidários pode atribuir urgência na votação dessas proposições. A assessoria da Câmara explica que, regimental e constitucionalmente, a Casa tem respaldo para apreciar primeiramente as Medidas Provisórias e outras proposições legislativas do Executivo, o que conseqüentemente “tranca a pauta”. Até que a pauta esteja “limpa”, não há como avançar com as demais propostas. Em ano eleitoral, o calendário parlamentar ainda dificulta a celeridade das discussões. Para a presidência, somente o apoio e a união dos líderes dos partidos pode “trazer a discussão à mesa diretora”.
Conforme orienta o artigo 13 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, a participação da sociedade é fundamental na prevenção e na luta contra a corrupção. Desta forma, o Contas Abertas disponibiliza aqui a lista de e-mails dos parlamentares federais para os que desejarem exigir a apreciação das propostas relacionadas à corrupção.
Atuação da CGU
Tramita também no Congresso o projeto de lei 7.528/06 elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que determina restrições aos empregados e servidores públicos que tenham acesso a informações privilegiadas. Ainda em 2006, em cerimônia comemorativa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou e encaminhou a proposta para apreciação dos parlamentares. Na ocasião, o chefe-ministro da CGU, Jorge Hage, afirmou que o PL marcava a afirmação concreta de uma vontade política do governo em investir nas medidas preventivas contra a corrupção.
Em artigo publicado recentemente, o ministro alertou que alguns projetos de lei já poderiam ter sido transformados em lei, não fossem os recursos apresentados por partidos de oposição – fato que impediu, neste ano, a aprovação do PL da CGU. Mas para Jorge Hage, o mais urgente é a atualização das normas contidas no Código de Processo Penal, o que aceleraria o julgamento e a punição dos responsáveis pela prática de desvios. O ministro ainda acredita que deve haver mútuo interesse na solução para o problema da corrupção. “De 2003 para cá, 1.755 servidores federais de todos os escalões já sofreram penas de expulsão do serviço público por práticas irregulares, sobretudo vinculadas à corrupção. O Executivo tem procurado fazer sua parte”, afirma Hage.
Legislação frágil
Existe um conjunto considerável de normas que, de alguma forma, estão ligados às funções de prevenção e combate à corrupção. Mas num país como o Brasil, onde os escândalos de corrupção geram bilhões em prejuízos aos cofres públicos, não é difícil entender o porquê de tantos projetos pedirem a alteração, reformulação e atualização da legislação.
Dentre as principais normas legislativas vigentes, destacam-se as leis 8.429/92, “Lei de Improbidade Administrativa”, que trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública; a Lei 8.884/94, sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica; e a Lei 9.613/98, a chamada “Lei sobre Lavagem de Dinheiro”.
Alguns decretos também são considerados relevantes, tais como o Decreto 6.170/07, que disciplina o sistema de transferência de recursos federais para estados, municípios e organizações não-governamentais; o Decreto 4.334/02, que dispõe sobre as audiências concedidas a particulares por agentes públicos da administração federal; e os decretos 5.355/05 e 6.370/08, disciplinadores da utilização dos cartões coorporativos do governo federal.