Sem sala, computador ou telefone, órgão rejeita ou arquiva a maioria das denúncias desde que foi criado, em maio de 2003
Primeira reunião em 2008 foi realizada só na última semana; Câmara mudou lei para que corregedor-geral seja eleito ano após ano
DA REPORTAGEM LOCAL
Na entrada do prédio da Câmara Municipal de São Paulo, as três atendentes que recebem os visitantes se contradizem e se confundem, para enfim concluir que não sabem onde fica. Não é culpa delas: a corregedoria da Câmara não existe fisicamente. Não tem sala, computador, arquivo, mesa ou telefone. Também não tem e-mail ou página na internet. Assim, ninguém na Câmara consegue dizer onde funciona esse setor encarregado por lei de zelar pela ética e pelo decoro dos 55 parlamentares da Casa.
No gabinete do vereador e corregedor Wadih Mutran (PP), no sexto andar, a secretária diz que a corregedoria existe, sim, sem dúvida, em alguma sala do segundo andar. Após bater de porta em porta, descobre-se que na verdade o que existe é uma pessoa, o servidor Fernando Aruta. Mas ele trabalha na corregedoria eventualmente, como voluntário não remunerado, já que seu cargo é o de secretário das Comissões Extraordinárias e Temporárias da Casa. São 11 ao todo.
Aruta, servidor antigo sempre acionado para trabalhos de CPIs (há duas em andamento), organizou um arquivo com os casos analisados pela corregedoria desde sua criação, em maio de 2003. A Folha pediu ao corregedor para olhar o arquivo, mas não foi autorizada. As decisões da corregedoria são secretas, já que nunca foram publicadas no "Diário Oficial".
Dignidade dinamarquesa
Sua tarefa é "zelar pela preservação da dignidade do mandato parlamentar e pela observância aos preceitos de ética e decoro parlamentar". A julgar pelo ritmo dos trabalhos da corregedoria, o vereador paulistano tem dignidade dinamarquesa, ética finlandesa e decoro neozelandês -os três países mais bem avaliados, empatados, no índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional de 2007.
Nenhum vereador foi punido nos últimos cinco anos e nenhum relatório produzido na corregedoria recomendou cassação. A absoluta maioria das denúncias que chegam são rejeitadas ou arquivadas sem relatório. O corregedor estima que "entre cinco e oito" denúncias, nos últimos três anos, redundaram em relatórios.
Depois de nove meses vazios em 2008, a corregedoria só nesta semana realizou a primeira reunião de trabalho do ano. Para analisar a situação da vereadora Soninha (PPS), candidata à prefeita, que em sabatina no jornal "O Estado de S. Paulo" sugeriu que seus colegas não são tão dinamarqueses. Em 2007, segundo a Folha apurou, só um caso foi analisado.
Wadih Mutran, 72, vereador há 26 anos consecutivos, foi escolhido corregedor no final de 2004 e passou a ocupar o cargo em janeiro de 2005. Os vereadores resolveram mudar a lei para permitir que ele fosse eleito ano após ano. A resolução três, baixada pela Mesa da Câmara em 15 de dezembro de 2006, revogou o inciso III do artigo 4º da resolução original, que permitia somente uma reeleição para o mesmo cargo na mesma legislatura.
Mutran foi reeleito para o cargo de corregedor-geral em 2006 e 2007 e é acompanhado de seis corregedores. Na entrada da sua sala, ostenta um retrato dos anos 90 de apoio ao candidato Paulo Maluf (PP), um ídolo do vereador. No canto do retrato, um de seus mandamentos: "Fidelidade".
(RUBENS VALENTE)
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