Foto:Tatiana Cardeal
Isabel Gnaccarini, especial para Envolverde
“O que pensa o paulista quando imagina a Amazônia? Vou ganhar uma graninha! E o Amazônida, quando vê um paulista passeando por lá, pensa a mesma coisa!”
A piada encerrou, na tarde de ontem, o Seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo Amazônia”, e resume o essencial da discussão. É preciso repensar as relações predatórias que estamos acostumados a ver há tempos. Tanto em nossas vidas, como na natureza.
A brincadeira de Magnólio Oliveira, ‘palhaço’ e coordenador de comunicação do Projeto Saúde e Alegria (Santarém), traduz a relação ‘prostituta’ que ocorre entre as duas regiões. Para ele, o problema de relacionamento deve se transformar. “É preciso que haja amor entre as duas partes, do contrário não haverá casamento possível”, disse Magnólio, que arrancou gargalhadas ao fechar a segunda parte do Painel Alternativas e Soluções iniciado na manhã de ontem (15/10).
A mesa apresentou experiências exitosas de conexões entre mundos. Caso da Campanha Y Ikatu Xingu, do Instituto Sociambiental (ISA), que luta pela preservação das cabeceiras do rio Xingu no Mato Grosso. A iniciativa apresentada pela coordenadora do Programa Amazônia do ISA, Adriana Ramos, é o exemplo mais acabado de como a construção de pontes entre atores, os mais divergentes, pode se transformar na solução para a sustentabilidade do planeta.
A Campanha, iniciada em outubro de 2004, “abriu o campo de colaboração entre todos os atores, onde conversamos e não mais nos atacamos, como já aconteceu em campanhas realizadas no passado”, resumiu Adriana. Hoje, conversam produtores rurais e assentados, organizações da sociedade civil e prefeitos de vários municípios no entorno do Parque Xingu, indígenas, fazendeiros e empreendedores. Quando começaram, ouviram dos índios: “Será que o branco vai recuperar o que destruiu?” Eles se referiam à poluição espalhada pelas 22 mil nascentes existentes e ao desmatamento em toda a área contígua ao Parque Nacional do Xingu – a destruição pulou de 2,38 milhões de hectares em 1994, para 5,43 milhões em 2005.
A experiência foca na conservação da água, que é um bem comum a todos os atores, e insiste em estimular o uso das áreas já devastadas com replantio, por pequenos e grandes produtores. Mas também martela no fato de que o investimento socioambiental agrega um valor intangível à agrobiodiversidade característica do lugar – a região possui três Unidades de Conservação, 12 Terras Indígenas (com 18 povos), 35 municípios, 46 nascentes e 270 milhões de habitantes. Afinal, valorizar a soja em termos socioambientais é ao mesmo tempo uma garantia para o mercado exterior e para a sustentabilidade deste trecho de Amazônia.
O Painel seguiu com duas demonstrações de empresas que tomam o partido da natureza e da certificação florestal, passando a discussão para o problema central do uso predatório da Amazônia – a questão da regularização fundiária.
Tanto Orsa Florestal quanto Mil Madeiras são emblemáticas no uso sustentado dos recursos naturais da Amazônia. A Orsa Florestal, com o Projeto Jari (que ocupa 1,5 milhão de hectares de florestas na fronteira do Amapá e Pará) é uma das mais recentes iniciativas empresariais certificadas pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal) – a empresa do ramo da celulose possui 515 mil hectares desse território destinado à exploração certificada de madeira serrada e outros bens da floresta. Já a Precious Wood, ou Mil Madeiras, foi a primeira a receber a certificação FSC para a exploração madeireira. Instalada na região de Manaus, fornece hoje 80% da energia utilizada pela cidade vizinha de Itacoatiara só com a queima de resíduos de sua serraria. Em ambos os casos, a novidade foram as recentes entregas de títulos definitivos de terras aos moradores de comunidades vivendo secularmente nos territórios de suas propriedades.
Para Rubens Gomes, recém eleito presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e integrante do Conselho Diretor do FSC, estes são exemplos de que o processo de certificação e a justiça fundiária podem estar do mesmo lado: o lado dos movimentos sociais que ele representa desde que chegou ao Acre na década de 70, onde acompanhou a luta de Chico Mendes (Rubens Gomes é fundador e Secretário Executivo da OELA – Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, Manaus). Para ele, “o processo de certificação é um ganho social e um valor agregado”. O selo garante a conexão entre a economia, o meio ambiente e a sociedade. “Na época das lutas dos seringueiros por uma vida digna não havia alternativas ao ‘correntão’ e ao corte raso da floresta. Se há de existir alternativas econômicas, que sejam controladas, com efeitos mitigados. A certificação nos dá a segurança de erradicar a praga do trabalho escravo e infantil. Garante a defesa dos direitos de trabalhadores e dos povos da floresta…”, esclarece ele enfatizando a responsabilidade de cada um, esteja ele na Amazônia, ou em São Paulo.
“Se você não conhece a origem de um produto, não compre!”, diz Rubens Gomes, que recebe o Eco do Greenpeace com o programa Cidade Amiga da Amazônia. Não ser tolerante com crimes de nenhuma natureza é o que prega o programa desde 2003, também apresentado na última tarde do seminário “Conexões Sustentáveis”. Depois de conectar a Amazônia às prefeituras de 37 municípios e seis capitais pelo Brasil, o projeto tomou o governo do Estado de São Paulo como piloto para ampliar suas fronteiras. O compromisso assumido pelo poder público das cidades amigas em não gastar seu dinheiro com produtos produzidos ilegalmente na Amazônia ganhou o compromisso aliado do estado de São Paulo na fiscalização e apreensão de depósitos ilegais que abrigam de fato os 80% de madeira ilegal que sai da Amazônia diretamente para o consumidor paulista.
Com o pacto firmado entre 28 empresas intermediárias da madeira, pecuária, soja e redes de comércio direto com o consumidor, o Movimento Nossa São Paulo, o Fórum Amazônia Sustentável e outros atores sociais unem não apenas as pontas das cadeias produtivas, mas cerram os laços de amor com a maior floresta tropical que, em última instância, garante o bem-estar de muita gente da cidade grande.
*A cobertura do evento foi realizada em conjunto pelo Movimento Nossa São Paulo, Mercado Ético e Envolverde, sob a coordenação de Naná Prado.