Pesquisa mostra cadeias produtivas beneficiadas pelo desmatamento.
Ongs sugerem que empresas cortem fornecedores que não respeitam a lei.
Iberê Thenório e Dennis Barbosa
Do Globo Amazônia, em São Paulo
A devastação da Amazônia pode estar embutida em produtos simples, utilizados no dia-a-dia de milhões de brasileiros. O consumo de carne, peças de carros, óleos vegetais, material para construção e até mesmo arroz acaba terminando em desmatamento, trabalho escravo, grilagem de terras e poluição dos rios.
Baixe aqui o estudo na íntegra, em PDF
O alerta é feito por um estudo publicado nesta terça-feira (14) pelo Movimento Nossa São Paulo e pelo Fórum Amazônia Sustentável. Com o objetivo de entender como a cidade de São Paulo pode causar impactos na floresta amazônica, pesquisadores acompanharam a rota de várias matérias-primas produzidas de forma ilegal, até chegarem às prateleiras do comércio paulistano.
A conclusão a que os pesquisadores chegaram foi que a destruição da Amazônia favorece muitas empresas intermediárias, que compram de produtores em situação irregular, e depois fabricam ou processam mercadorias consumidas por todos os moradores da metrópole.
“Na ponta da cadeia produtiva, diversos atores se beneficiam. Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias estão diretamente ligadas ao problema, pois compram de fornecedores que estão na linha de frente do desmatamento. Posteriormente, distribuem produtos industrializados para uma ampla rede de compradores”, diz um trecho do documento.
A publicação do estudo faz parte do seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia”, que ocorre nesta terça e quarta-feira (15), em São Paulo. Apesar de citar diversas empresas que utilizam matérias-primas produzidas de forma danosa à Amazônia, os responsáveis pela pesquisa afirmam que seu objetivo não é apontar culpados, mas aprofundar o conhecimento sobre o tema e buscar soluções.
Durante o evento, os organizadores tentarão firmar pactos com representantes de diversos setores produtivos e comerciais para que as empresas não comprem de produtores envolvidos com crimes ambientais e trabalhistas. “Esperamos conseqüências imediatas, que as empresas cortem relações com esses fornecedores”, afirma Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo.
Bois, soja, madeira e carvão
Para quem visita um supermercado, não é tarefa simples identificar quais são as mercadorias que contém em sua essência a destruição da Amazônia. A pesquisa, realizada pela ONG Repórter Brasil e pela Papel Social Comunicação, aponta que produtos de origem ilegal acabam se misturando com os produzidos de acordo com a legislação.
No caso da soja, por exemplo, grandes empresas compram de diversas fazendas, algumas delas com problemas ambientais. O produto final pode ser um óleo comestível, mas o vegetal também pode estar inserido em dezenas de alimentos que levam a soja como parte dos ingredientes.
Situação semelhante ocorre com a pecuária. Segundo a pesquisa, 41% do abate dos bovinos brasileiros ocorre na Amazônia, e a abertura de novas áreas de pastagem seria o principal vetor do desmatamento. Se o consumidor quiser saber, contudo, qual a origem da carne que está comprando, pode encontrar dificuldades.
“É impossível afirmar com segurança que até mesmo a carne de frigoríficos localizados fora do bioma amazônico não foi obtida a partir de animais que pastavam em áreas situadas na principal floresta do planeta. Isso porque existe um comércio bastante freqüente entre os próprios frigoríficos”, revela o estudo.
No caso da madeira, a pesquisa aponta que muitas das árvores derrubadas sem autorização chegam ao consumidor paulistano legalizadas. Isso ocorre porque os madeireiros conseguem documentos falsos atestando a origem do produto. Outro problema no setor, segundo o documento, é que algumas empresas afirmam utilizar madeira certificada por selos internacionais, mas na prática apenas parte da matéria-prima que utilizam tem atestado de origem.
“A grande dificuldade é comprovar a responsabilidade sobre as irregularidades na cadeia produtiva. Quem de fato fornece a madeira? Quem de fato fornece a carne?”, questiona Adalberto Veríssimo, do Fórum Amazônia Sustentável.
A indústria automobilística também tem problemas com a origem das peças utilizadas em seus carros. De acordo com a pesquisa, carvão proveniente de desmatamentos é utilizado para a produção de ferro gusa, enquanto indústrias do setor compram cassiterita retirada ilegalmente. Tudo isso acaba se transformando em pneus, discos de freio ou partes de motores.
Listas públicas
Para identificar as propriedades que infringiram as leis ambientais ou do trabalho, os pesquisadores utilizaram dados públicos, como a relação de propriedades embargadas pelo Ibama, disponível no site do instituto, ou o cadastro de empregadores que utilizaram trabalho análogo à escravidão, conhecido como “lista suja” do trabalho escravo, e divulgado semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Um dos objetivos dos responsáveis pelo estudo é que empresas e órgãos públicos também façam uso dessas informações antes de comprar de seus fornecedores, e que os bancos também se comprometam a negar crédito para quem tenha pendências nessas áreas.
Baixe aqui o estudo na íntegra, em PDF
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