Maior parte da produção da Amazônia está sendo usada no abastecimento da região mais rica do País
Herton Escobar
A maior parte da carne produzida em áreas de desmatamento na Amazônia está sendo consumida no Sudeste, segundo um levantamento feito por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Os números indicam que apenas 5% da carne produzida na região é exportada. E dos 95% que ficam no País, quase 70% são enviados para o Sudeste. Só 12% viram alimento dentro da própria Amazônia Legal.
A pecuária é o setor produtivo que mais influencia no desmatamento da Amazônia. Cientistas e ambientalistas estimam que mais de 70% das derrubadas florestais são feitas para a abertura de pastagens. Os pesquisadores do Imazon calculam que 253 mil quilômetros quadrados foram ocupados por pastos na Amazônia entre 1990 e 2006 – uma área maior do que o Piauí.
O rebanho da região aumentou 180% no mesmo período, passando de 26 milhões para 73 milhões de cabeças, o equivalente a 36% do total nacional. Entre 2000 e 2005, 27 frigoríficos se instalaram na região.
Enquanto isso, no Sudeste, ocorreu o inverso: a área de pastagem diminuiu 15% e o rebanho encolheu 3% no período 1996-2006, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados no Anuário da Pecuária Brasileira, do Instituto FNP.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, o aumento das exportações de carne nos últimos anos deixou um “vácuo” de abastecimento no mercado interno, que está sendo suprido, ao menos parcialmente, com carne produzida na Amazônia. As exportações nacionais do setor aumentaram 126% entre 2002 e 2006. “Como o Norte não tem ainda condições de exportar, o Sudeste exporta e a gente preenche a lacuna”, diz o diretor de pesquisa ambiental do Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp), Jonas da Veiga.
“A Amazônia abriu espaço para a pecuária crescer com produção barata, caso contrário o preço da carne no mercado interno teria aumentado muito”, avalia o pesquisador Paulo Barreto, que coordenou a pesquisa com dois colegas do Imazon – uma organização não-governamental com sede em Belém (PA). A grande vantagem da região é o preço baixo – ou quase nulo – da terra. “Fazendeiros que se apossam de terras públicas ganham mais do que o normal, pois não compraram a terra nem pagam aluguel pelo seu uso”, escrevem os autores.
O consultor José Vicente Ferraz, do Instituto FNP, vê a expansão da pecuária na Amazônia como um “fenômeno natural” associado ao perfil “nômade” do setor, que está sempre em busca das terras mais baratas para produzir. “Como se costuma dizer, não existe boi barato em cima de terra cara”, diz. “As terras mais baratas hoje estão no Norte e Nordeste. O pecuarista vende 1 hectare aqui (no Sudeste) e compra 10 hectares lá.”
INFLUÊNCIA DA CANA
O crescimento da pecuária no Norte e o encolhimento das pastagens no Sudeste levantam dúvidas sobre a influência indireta da cana-de-açúcar no desmatamento da Amazônia. Dados do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), em São Paulo, mostram que o aumento da área plantada com cana na região Centro-Sul ocorreu principalmente sobre áreas de pastagem.
No Estado de São Paulo, 72% dos novos canaviais abertos entre 2002 e 2006 foram plantados sobre pastos. A área paulista de cana cresceu 622 mil hectares no período, enquanto a de pastagens encolheu 882 mil hectares. Em Minas, 51% das novas plantações de cana foram em substituição a pasto. No Paraná, o índice foi de 63%, e em Goiás, 90%.
Ainda assim, segundo especialistas, não há indícios de que isso esteja influenciando a pecuária na Amazônia. “O que ocorreu foi que o grosso da expansão do rebanho brasileiro se deu no Norte, mas não foi por pressão da cana no Sudeste. A pecuária na Amazônia tem uma dinâmica própria”, diz a economista Leila Harfuch, pesquisadora do Icone.
“A área de cana em relação à de pecuária é ínfima”, acrescenta Ferraz. Enquanto as pastagens ocupam quase 200 milhões de hectares no País, os canaviais ocupam só 6 milhões. “Há pressão local? Sim, mas não acho que seja um fator relevante na dinâmica da pecuária.”
Barreto, do Imazon, está preocupado. Com o aumento da demanda internacional por biocombustíveis, diz, a tendência é que a briga por espaço entre a pecuária e a cana se intensifique. Ele defende uma regulamentação mais rígida da cadeia produtiva, para garantir que os frigoríficos não comprem carne de áreas desmatadas ilegalmente.
Copyright © Grupo Estado.