“A cidade está pequena demais para todos nós?” – O Estado de S.Paulo

 

População de quase 11 milhões potencializa os problemas da capital

Todos os dias, embarcam no metrô mais de 3 milhões de passageiros, algo como as populações somadas de Campinas, Guarulhos e Santo André. Ao mesmo tempo, 800 mil pessoas – uma São Bernardo inteira – circulam pela Avenida Paulista. Sem contar uma fila de carros com 140 quilômetros, distância suficiente para chegar a Peruíbe, no litoral sul. Exagero? Mas é praticamente o que acontece em São Paulo. Com 11 milhões de habitantes, a capital parece pequena demais para tanta gente. E, de certa forma, está.

Na zona leste, o crescimento anual de 4,6% da Cidade Tiradentes – oito vezes maior do que a média municipal – fez surgir um bairro que “transbordou” os limites administrativos de São Paulo: o Jardim Vista Verde. O único acesso ao local, onde vivem 460 famílias, é feito pela capital. Comércio e ônibus também são paulistanos. Mas sua área faz parte da cidade vizinha de Ferraz de Vasconcelos.

Há 14 anos no bairro, a aposentada Maria Elisa Amaro, de 70 anos, mora a 500 metros do posto de saúde Dom Angélico, em São Paulo, mas não pode ser atendida no local por residir fora do município. Para chegar ao posto mais próximo de Ferraz, os moradores do Vista Verde levam quase uma hora de ônibus. “Já vi criança desmaiando de febre e não ser atendida porque morava aqui”, diz Maria Elisa.

A caixa de correio no portão da aposentada é um mero adorno. As dez ruas, todas sem asfalto, não têm CEP e os carteiros nunca as visitaram. “Uso o endereço da minha filha, que mora em Cidade Tiradentes.”

Os moradores já conquistaram água encanada e telefone, mas coleta de esgoto e iluminação ainda são um sonho. “Já houve vários incêndios (por causa das ligações clandestinas)”, conta. A prefeitura de Ferraz de Vasconcelos promete regularizar a área em um ano e meio.

O Jardim Vista Verde é um sintoma do crescimento não planejado da capital e da insuficiência de investimentos ao longo dos anos. Os problemas resultantes já são conhecidos. Mais de 3 milhões de pessoas vivem em áreas sem infra-estrutura e o déficit habitacional da cidade é de 700 mil moradias. Quase 1,5 milhão de moradores não têm coleta de esgoto. Na área da educação, faltam 110 mil vagas apenas em creches.

De acordo com o geógrafo José Donizete Cazzolato, do Centro de Estudos da Metrópole , é como se a cidade não considerasse parte dela regiões sem saneamento básico, transporte e lazer. “Essas áreas estão sobrando. E o poder público se finge de homem traído, é sempre o último a saber. ”

VIÁVEL

Segundo a professora Ana Fani Alessandri Carlos, do Departamento de Geografia da USP, a periferia é parte da reprodução e da lógica da metrópole. “É produto do modelo político e econômico”, afirma Ana Fani. Ela compartilha da opinião de outros especialistas de que os problemas da cidade não decorrem de um excesso populacional. “A viabilidade de São Paulo está relacionada com a necessidade de um planejamento estratégico”, diz Flávio Comim, coordenador do Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional do Programa das Nações Unidas (Pnud).

Para o sociólogo da Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla) José Marcos de Araujo, a circulação desigual no território cria a idéia de que há gente demais. “As pessoas percorrem grandes distâncias entre a casa e o trabalho. Essa movimentação e as deficiências do sistema de transporte resultam em problemas estruturais e na impressão de inchaço”, diz.

A capital já não cresce em ritmo acelerado como em meados do século passado, quando registrou taxas superiores a 5% ao ano. Com a atual média de 0,56%, a cidade deve abrigar 11.385.617 pessoas em 2010, de acordo com estimativa da Sempla. Assim, a região metropolitana de São Paulo, hoje com mais de 19 milhões de habitantes, pode se tornar o terceiro maior aglomerado urbano do mundo, superando Nova York e a Cidade do México.


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