“Tecnologia vira ‘e-lixo’ em 5 anos” – O Estado de S.Paulo

 

14 milhões de t de aparelhos são descartadas em todo o mundo anualmente

Novidades tecnológicas são substituídas cada vez mais rápido. A vida útil de um computador não passa de cinco anos, enquanto um celular não dura dois. Segundo levantamento da Universidade das Nações Unidas, o mundo produz 14 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos anualmente. “Esse número tende a aumentar se nada for feito”, afirma o coordenador da pesquisa, Ruediger Kuehr.

No Brasil, cerca de 500 mil toneladas desse tipo de lixo são descartadas por ano, segundo a pesquisadora da USP Angela Cassia Rodrigues. “Grande parte desse volume acaba em aterros sanitários ou lixões. São locais inadequados porque alguns materiais, tóxicos, contaminam o meio ambiente.”

A situação pode piorar com os sucessivos recordes de consumo. Dados da Associação Brasileira de Indústria Eletroeletrônica apontam um faturamento de R$ 125 bilhões para o setor neste ano, 150% a mais do que em 2000.

Até o fim de 2008, a previsão é de que sejam comprados 12 milhões de computadores, 50 milhões de celulares e 1,2 bilhão de pilhas no País.

O autônomo Vlamir de Almeida é um dos que contribuíram para o crescimento das vendas. Ele tem nove celulares obsoletos, incluindo alguns “tijolões”, guardados há mais de cinco anos. “É difícil achar onde jogar fora esses aparelhos. Não vou descartar no lixo.”

Em São Paulo, a Prefeitura não tem um programa para recolher sobras tecnológicas. Segundo a Secretaria Municipal de Serviços, seria preciso contratar parceiros especializados para separar e tratar os resíduos.

Para descobrir o perfil de consumo e descarte de lixo eletrônico na capital, Angela vai coordenar em 2009 um levantamento em 480 residências. “A cidade foi escolhida pela diversidade da população e pela grande oferta de produtos.”

Impressoras, aparelhos de som, eletrodomésticos e lâmpadas também entram na lista do chamado e-lixo. Ainda não há lei federal que regulamente a destinação e atribua responsabilidades ao governo, às empresas e ao próprio consumidor.

Pilhas e baterias são um caso à parte: desde 1999, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê regras de recolhimento e descarte para esses produtos. No mês passado, a resolução foi atualizada para estabelecer critérios mais rígidos.

Enquanto o debate evolui na Europa, com leis como a RoHs (Restrição de Substâncias Nocivas, na sigla em inglês), no Brasil ele caminha a passos lentos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, proposta em 1991 pelo Projeto de Lei nº 203, foi aprovada na Câmara e tramita no Senado com mais de cem emendas. Uma das cláusulas proíbe importar rejeitos que causem danos ao meio ambiente e à saúde (veja abaixo).

O deputado estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) apresentou em fevereiro o Projeto de Lei nº 33. Se aprovado, obrigará fabricantes, importadores e lojistas do Estado a recolher e dar um destino adequado aos materiais, como a reciclagem, sob pena de multa.

REAPROVEITAMENTO

O catador Everaldo da Silva relata sua experiência nas ruas da cidade, enquanto destrincha componentes eletrônicos em busca do “material fino”. “Cobre e alumínio são os metais que dão mais dinheiro”, diz. As placas dos PCs, feitas de ouro, prata e outros elementos preciosos, são vendidas para atravessadores, que as repassam a empresas de reciclagem. O restante vai para o ferro-velho.

Everaldo não usa proteção para evitar o contato com gases e metais pesados, como chumbo e mercúrio. “A gente não tem noção do mal que faz.”

Na unidade de Guarulhos da ONG Oxigênio, a reutilização de micros é feita por 40 jovens de 15 a 24 anos, mas apenas os técnicos analisam as peças que oferecem riscos. Em dois anos, a Oxigênio já montou 2.700 máquinas, doadas a escolas, bibliotecas e telecentros. “Além de prolongar a vida do equipamento, economizamos energia e matéria-prima”, afirma o diretor Francisco Barbosa. A ONG aceita doações (www.oxigenio.org.br ou 0–11-3051-5420).

Outra solução para o e-lixo é o reprocessamento. A empresa Suzaquim, de Suzano, trabalha com materiais como pilhas e componentes de computador. “Os produtos são transformados e usados na fabricação de corantes industriais”, diz a gerente Fátima Santos.

Empresas como essa costumam coletar volumes maiores. Mas para as sobras eletrônicas de cada consumidor ainda há poucas opções de recolhimento, como a Drogaria São Paulo, o Banco Real e operadoras de celular. “É importante uma ação entre empresas e poder público para ampliar o serviço”, avalia Fátima.

Quem vive de futuro é museu

Quanto tempo é preciso para que computadores virem peças de museu? “O que acontece hoje, amanhã já é passado.

Nos preocupamos mais com a preservação da memória do que com o tempo”, diz o presidente do Museu do Computador, José Carlos Valle. Fundado em 2005, esse memorial da modernidade relata a história da informática no Brasil e no mundo, com a exposição de micros históricos, ainda que todos tenham menos de 50 anos.

Valle orgulha-se do acervo de mais de 15 mil peças reunidas em dez anos. “Temos um processador IBM de 1983 e um conjunto de máquinas que pesam 10 toneladas e ocupam mais de 300 metros quadrados.” Outros exemplares que merecem destaque são o primeiro Macintosh e uma réplica de um mouse de madeira. Porém, todo esse acervo está guardado em caixas e depósitos. Há um ano, o museu, que funcionava em Interlagos, foi desalojado e não tem nova sede. “Sempre nos sustentamos com recursos próprios, mas agora precisamos de patrocínio.” A Associação Cultural dos Amigos da Informática recebe doações para o museu (tel.:11-2609-6959).

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