Por Talita Mochiute
“As cidades exercem um papel central em nossos esforços para enfrentar ou adaptar-nos às ondas de calor, enchentes e demais intempéries, e reduzir ou mitigar as emissões de gases de efeito estufa”. A afirmação é da vice-diretora do Instituto de Estudos de Ciência e Meio Ambiente do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, Patrícia Romero Lankao, em estudo do projeto Urban Age South America 2008.
O projeto Urban Age é uma iniciativa do Programa Cidades da London School of Economics and Political Science e da Alfred Hernhausen Society do Deutsch Bank. O objetivo é investigar de maneira interdisciplinar o processo de urbanização da megacidades para dar apoio à criação de uma nova agenda urbana que privilegie o desenvolvimento sustentável. Na última semana, o Urban Age promoveu, na cidade de São Paulo (SP), uma conferência internacional para apresentação do estudo e debate sobre o futuro das megacidades.
De acordo com Patrícia, o problema da mudança climática não deve ficar restrito ao debate global, nem às cidades das nações ricas. Todas devem colaborar com as políticas ambientais internacionais, criando medidas eficientes e direcionadas à mudança climática, além de pressionar os governos federais para o cumprimento das metas ecológicas.
Uma das iniciativas é reduzir os gases estufas, responsáveis pelo aumento da temperatura global, conseqüentemente por desastres como enchentes. Segundo as agências das Nações Unidas e a Iniciativa Clinton sobre o Clima, as cidades respondem por cerca de 80% de todos os gases estufas decorrentes da atividade humana.
No entanto, para o membro sênior do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, David Satterhwaite, em publicação do Urban Age, o número verdadeiro é de 40%. Ele afirma que grande parte da emissão vem de atividades de agricultura e desmatamento de fora da cidade. O restante seria produzido pela indústria pesada, de usinas de geração de energia movidas a combustíveis fósseis localizadas em área rurais ou em centros urbanos.
Satterhwaite também acredita no protagonismo das cidades, por meio de atividades de planejamento, gestão e governança, no esforço de redução dos gases do efeito estufa. “O que representaria um papel central na proteção das populações contra os impactos (enchentes, tempestades, ondas de calor) causados pelas mudanças climáticas sobre as cidades – conseqüências que tem recebido pouquíssima atenção”.
Os dois especialistas lembram que as cidades latino-americanas possuem níveis de desenvolvimento diferentes das cidades de países ricos, o que traz diferenças na trajetória e nos índices das emissões dos gases estufas. São Paulo emite 1,5 toneladas de equivalente de CO2 (gás carbônico) por pessoa. O índice na Cidade do México é de 2,6 toneladas. Já Washington DC nos Estados Unidos registra 19,7.
Embora haja diferença entre as cidades ricas e pobres na participação deste fenômeno global, “nenhuma escapará dos impactos da mudança climática”, enfatiza Patrícia.
Para a especialista, as cidades devem propor e implementar políticas ambientais aliadas às questões sociais, especialmente as cidades latino-americanas que “se defrontam com o desemprego, déficit habitacional e outras preocupações mais prementes para seu desenvolvimento”.
A especialista vê ainda na crise financeira mundial uma oportunidade para repensar um modelo desenvolvimento mais sustentável que privilegie as questões socioambientais.
O secretário adjunto do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento do Estado de São Paulo, Ricardo Toledo, discorda dessa visão otimista diante crise econômica. “A crise não é uma oportunidade para um novo modelo sustentável. É mais uma dificuldade que temos de enfrentar”, comentou na mesa do Urban Age.
O pessimismo é justificado pelo secretário pelo fato de que em momento de crise, o governo concentra esforços na produção e na geração de empregos. “Como faltam recursos e as tecnologias limpas são caras, o privilégio será para o uso de energia suja. Mas não acho que a agenda de apoio à produção seja contraditória a agenda ambiental”.
Para o diretor do Fórum de Jornalistas Ambientais da Índia, Darryl D’Monte, não se deve separar crescimento de qualidade de vida para a população. “O problema das duas crises – financeira e climática – se resolve com a distribuição eficiente de recursos”, respondeu D’ Monte ao secretário de São Paulo durante o debate.
Experiência londrina
Como a principal fonte das emissões de gases nas cidades é o uso de energia na produção industrial, nos transportes e nos prédios residenciais, comerciais e governamentais, o programa da cidade de Londres no Reino Unido para redução do gás carbono na atmosfera trabalha nestas três frentes. A meta é diminuir em 60% as emissões até 2025.
Para resolver a questão do carbono proveniente dos transportes, a prefeitura investirá 13 bilhões de libras em transporte público, principalmente em ônibus. Segundo o consultor de meio ambiente da prefeitura londrina (gestão 2004-2008), Mark Watts, alguns resultados positivos já alcançados pelo projeto são aumento em 40% no número de passageiros de ônibus e a redução congestionamento do trânsito na cidade.
“Já as emissões do setor industrial, comercial e pública dependem da mudança da oferta e da distribuição da energia. Por isso, o programa procura incentivar o uso de energias renováveis e a descentralização da distribuição”, complementou Watts.
Experiência paulistana
No debate, o secretário do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, Eduardo Jorge, defendeu a agenda ambiental e comentou que o governo federal não tem um inventário sobre as emissões de carbono. Esse documento seria importante para traçar estratégias ambientais brasileiras. “Isso demonstra o quanto nossa política nacional é recuada neste aspecto”, comentou.
Das iniciativas paulistanas, Eduardo Jorge destacou o programa de inspeção veicular e o programa para gerar energia a partir do lixo.
No programa, o biogás liberado na decomposição dos resíduos sólidos é aproveitado para gerar energia. O gás é coletado, filtrado, pressurizado e queimado em usinas termo-elétricas, assim não é emitido para a atmosfera. De acordo com a secretaria, cerca de 7% dos domicílios paulistanos foram abastecidos com essa energia.
Por outro lado, ainda não há um programa mais concreto para resolver o problema da emissão de CO2 de veículos. Em São Paulo, há 11 milhões de pessoas e 4,2 milhões de veículos. Além da questão ambiental, o número da frota paulistana afeta a mobilidade na cidade e a qualidade de vida da população.