“Responsabilidade social e o enxofre” – O Estado de S.Paulo

 

JOSEF BARAT
 
Em setembro, a Justiça Federal em São Paulo decidiu, por meio de liminar, que a Petrobrás seria obrigada a fornecer um diesel menos poluente – com concentração de 50 partes por milhão (ppm) de enxofre – para abastecer, em pelo menos uma bomba por posto, os veículos novos que entrassem no mercado, a partir de janeiro de 2009. O Ministério Público Federal anunciou que iria recorrer da decisão, para que o fornecimento fosse obrigatório para toda a frota a diesel. Este era o desdobramento da polêmica sobre a Resolução 315 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que determinava a redução da concentração de enxofre no diesel, sem distinção entre veículos novos e antigos. Sabe-se que a concentração no diesel brasileiro é de 500 ppm nas regiões metropolitanas e de 2.000 nas áreas rurais. A Petrobrás, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e as montadoras sempre protelaram as providências para atender a uma Resolução aprovada há mais de seis anos.
 
A verdade é que, nem a Petrobrás sinalizou para a produção do novo diesel em larga escala, nem as montadoras se programaram para cumprir o prazo estipulado. No entanto, embora os veículos movidos a diesel representem apenas 10% da frota nacional, respondem por mais da metade dos poluentes liberados no trânsito das grandes metrópoles. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo, a alta concentração de enxofre faz com que a fumaça do diesel consumido por ônibus, caminhões e utilitários seja responsável pela morte de mais de três mil pessoas por ano no Brasil.
 
Em fim de outubro, foi celebrado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Petrobrás, ANP e montadoras. Foi a forma encontrada pelo MPF para exigir, afinal, o cumprimento da Resolução. A ANP terá que apresentar um plano de abastecimento de diesel com baixo teor de enxofre, a ser cumprido pelas distribuidoras, para abastecer veículos em todo o país. As montadoras se comprometem a fabricar veículos diesel com tecnologia mais moderna do que a prevista para 2009, os quais, em contrapartida, serão oferecidos ao mercado em 2012 e não mais em 2016. A Petrobras terá que gastar mais US$ 2 bilhões para produzir o diesel menos poluente (50 ppm de enxofre) a partir de 2010. Até lá, promete importar o que for necessário. Em 2013, quando entra em vigor a nova regulamentação, os veículos novos vão usar um diesel ainda menos poluente (10 ppm de enxofre), já produzido nas refinarias que a estatal planeja construir. Para o ministro Minc, negociou-se o possível, argumentando que, do contrário, seriam fechadas fábricas e refinarias, com a perda de 10 mil empregos.  A Petrobrás, por sua vez, alega gargalos técnicos e necessidade de investimentos vultosos para o cumprimento da Resolução.
 
O “possível”, muitas vezes, escamoteia falta de firmeza. Objetivamente, protelou-se a solução e não se deu a devida urgência para as regiões metropolitanas. Durante seis anos, nenhuma das partes teve o menor respeito ao drama da sociedade. Em termos de responsabilidade social – nos seus aspectos éticos e humanos –, embora as empresas envolvidas se proclamem ética e socialmente responsáveis, na verdade não se mostraram desta forma com relação à questão do diesel. O debate nos remete, assim, à reflexão sobre a chamada responsabilidade social. Muitas empresas fazem de seus projetos e ações “vitrines” promocionais, sem lhes dar maior consistência, conteúdo e alcance. Muitas ações promovem a imagem da empresa, mas podem esconder o não comprometimento com demandas sociais mais abrangentes.
 
Seguimos a tendência dos países desenvolvidos de maior responsabilidade social das empresas, mas nos deparamos com uma realidade institucional, política e social muito mais complexa. Neste ambiente, projetos e ações sociais não podem se configurar como meras iniciativas promocionais, mas contribuir para que o conceito de cidadania seja ampliado, de modo a incorporar as aspirações que resultam da luta crescente pela igualdade, participação e representação. Se os projetos sociais das empresas não se articulam consistentemente com demandas da sociedade e políticas públicas, não se chega a lugar nenhum. Urge superar a idéia de que a participação responsável consiste na prática de atos altruístas pontuais. Isto vale, tanto para as empresas, quanto para o próprio governo. Faz-se necessário algo mais: ações público/privadas coordenadas e maior consciência social, visando compromissos duradouros.
 
Josef Barat, economista, consultor, ex-diretor da Anac, é presidente do Conselho de  Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.

Compartilhe este artigo