Vítima usava bicicleta todos os dias para trabalhar; motorista diz que nunca se envolveu em nenhum acidente
Rodrigo Brancatelli
A bicicleta roxa com o guidão torcido e a bolsa com apetrechos para massagem contam um pouco da história de Márcia Regina de Andrade Prado, de 40 anos, atropelada ontem por um ônibus na Avenida Paulista, região central de São Paulo. Massagista por profissão e ciclista por opção, ela sempre usava a bicicleta para ir de casa, no bairro do Ipiranga, na zona sul, até a residência dos clientes. Às 11h50 de ontem, pedalava na altura do número 1.150 da Paulista, sentido Consolação, quando perdeu o controle e caiu no asfalto. A roda traseira de um ônibus passou por cima de sua cabeça. Márcia morreu na hora – só às 16h15 foi possível liberar totalmente a avenida.
A massagista é mais uma vítima da guerra diária que envolve motoristas, motociclistas, pedestres e ciclistas. Todos os dias, o trânsito de São Paulo mata em média 4,3 pessoas e fere com alguma gravidade pelo menos outras 72 – uma "epidemia" que faz mais vítimas fatais que aids, insuficiência cardíaca e tuberculose, conforme revelou o Estado em setembro.
Segundo testemunhas do acidente, o ônibus guiado por Márcio de Oliveira acelerou e avançou na segunda faixa para ultrapassar a massagista, que circulava perto do meio-fio. Quando voltou, aparentemente acabou acertando o guidão da bicicleta. Oliveira, de 53 anos, é motorista há 28 anos e afirmou em depoimento que nunca havia se envolvido em acidentes. Ele disse ainda que parou o ônibus depois de ter ouvido uma pancada seca.
O Instituto de Criminalística vai fazer agora um laudo técnico para tentar descobrir por que Márcia perdeu o controle da bicicleta. Não há previsão para conclusão. A massagista sempre falou para os familiares que, se algo acontecesse com ela, queria que seu corpo fosse doado para uma faculdade de Medicina – ontem à noite, a sua mãe viajou do interior de São Paulo para a capital para assinar o documento de liberação no Instituto Médico-Legal (IML) e a autorização para doação do corpo. No mesmo horário, 20 ciclistas fizeram o percurso do IML até o local do acidente carregando flores e velas.
Márcia fazia parte do grupo Bicicletada e assinava o Manifesto dos Invisíveis, documento que pede a adoção da bicicleta como meio de transporte, com mais investimentos na construção de ciclovias. "Ela não usava ônibus, não tinha carro, fazia tudo de bicicleta", disse o arquiteto Daniel Ingo, companheiro de passeios de Márcia. "No domingo mesmo fomos para a praia pedalando." Para o ciclista Albert Pelegrini, que também faz parte do Bicicletada, Márcia foi vítima de uma disputa que acontece todos os dias no asfalto da Paulista. "É uma manobra padrão dos ônibus acelerar e fechar a bicicleta", diz. "A gente fica sem saída. A Márcia era experiente, o problema é que sempre tratam a gente como uma coisa invisível."
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