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Não-cumprimento de resolução do Conama pode causar mais de 11 mil mortes por ano em seis capitais do País

Giovana Girardi

O acordo que adiou de 2009 para 2012 a entrada em vigor de uma nova fase do programa de redução das emissões de poluentes por veículos pode resultar em mais de 11 mil mortes extras por ano em seis capitais brasileiras. E somente em São Paulo os gastos decorrentes dessa mortalidade podem superar US$ 1 bilhão.

Essas são as principais conclusões de pesquisa inédita feita por Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP. O dado, obtido com exclusividade pelo Estado, compõe um estudo, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, sobre impacto que o descumprimento da resolução 315 do Conama, de 2002, terá na saúde pública.

A norma estabelecia que a partir de 1º de janeiro deste ano deveria entrar em vigor a fase P-6 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Isso significava a circulação de um diesel mais limpo em todo o País e de veículos pesados com motores e catalisadores adequados para receber esse combustível e ser capaz de filtrar poluentes prejudiciais à saúde.

Mas faltou esclarecer as especificações desse combustível. E em uma sequência de problemas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), da Petrobrás e das montadoras, o combustível não ficou disponível a tempo para testes e os ônibus e caminhões não foram fabricados para atender à norma.

Ao se constatar no final do ano passado que a resolução não seria cumprida, governo, Ministério Público, montadoras e Petrobrás fecharam um acordo que restringiu a oferta do diesel mais limpo, aceitou que neste período novos veículos sairão de fábrica com modelos antigos de motor e adiou o início da nova fase para 2012.

De acordo com Saldiva, esse atraso deixa de poupar milhares de vidas que seriam mantidas pela simples melhoria da qualidade do ar que viria com a P-6. Pelos cálculos do pesquisador, entre 1995, quando o Proconve começou a funcionar, e 2005, evitou-se a morte de 1.500 pessoas por ano na Região Metropolitana de São Paulo, em média. "Do ponto de vista da saúde humana, esse acordo foi um retrocesso. É como se tivesse sido descoberto um novo remédio muito bom e ele não fosse implementado", afirma.

MENOS ENXOFRE, MAIS VIDA

Seus dados estão em acordo com pesquisa publicada neste mês no periódico New England Journal of Medicine por pesquisadores americanos. O trabalhou mostrou que a cada 10 microgramas de material particulado fino (resultante da queima do diesel) que deixa de ser inalado, a expectativa de vida de moradores de áreas metropolitanas aumenta em cerca de sete meses.

"Em São Paulo estamos 18 microgramas acima do padrão recomendado pela Organização Mundial da Saúde, o que significa cerca de 1,3 ano a menos de vida", afirma. Avaliando as condições de outras cinco capitais – Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Recife -, ele concluiu que haverá pelo menos 11,5 mil mortes ao ano nas seis cidades com a circulação de um diesel sujo.

Até 2008 o combustível fornecido no Brasil apresentava a concentração de 500 ppm nas regiões metropolitanas e de 2.000 ppm no interior do País. Com o acordo, a Petrobrás se comprometeu a importar S-50 para abastecer as frotas cativas de ônibus somente de São Paulo e Rio de Janeiro a partir deste mês e a fornecê-lo para outras capitais no decorrer dos próximos anos. O resto do País fica neste momento com um diesel S-1800 (mais informações nesta página).

Diante do risco que havia em 2008 de a situação não avançar em nada, o acordo foi considerado satisfatório pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e pela promotora do Ministério Público Federal responsável pelo caso, Ana Cristina Bandeira Lins. Mas ela disse que o inquérito civil que investiga os responsáveis pelo descumprimento da norma do Conama continua aberto.

Especialistas em emissões veiculares, porém, concordam com Saldiva que a situação não é boa e pedem atenção para que o problema não se repita daqui a três anos, quando deve entrar em vigor a fase P-7, ainda mais rigorosa e que prevê o uso do diesel S-10 a partir de 2013. Esta foi a condição do governo para aceitar o atraso.

PREOCUPAÇÃO COM 2012

O temor é que não seja possível resolver até aquela data a mesma incompatibilidade que inviabilizou o cumprimento da resolução do Conama em 2009, explica Gabriel Murgel Branco, um dos especialistas que ajudaram a formular o Proconve.

Ocorre que as montadoras não atualizaram seus novos veículos por que, para atender a redução de emissões prevista a partir da fase P-6, é necessário implementar equipamentos de filtro e de catalisador que seguram ainda mais as emissões.

Tanto que usar o S-50 num motor velho reduz somente 10% do que seria possível com o novo, de acordo com estudo da Petrobrás – "por isso acredito que esse acordo para o ambiente não serve para nada", diz Branco. Só que colocar num motor novo um combustível com alto teor de enxofre pode entupir o filtro e prejudicar o funcionamento do carro. Sendo assim não seria viável pôr os veículos em circulação enquanto todo o combustível do País não estiver adequado. Um S-1800 seria capaz de fazer o carro parar.

"Em 2012 está claro que o diesel S-1800 será extinto, mas o S-500 continuará existindo e ele não servirá para os modelos P-7. Não há clareza se estes veículos terão a oportunidade de se abastecer com o diesel S-50 ou S-10 em qualquer cidade do Brasil desde aquele ano", diz.

André Ferreira, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, levanta ainda um outro ponto fundamental, o fornecimento de ureia, material importante para o bom funcionamento do catalisador. É esse aditivo que reage com o óxido de nitrogênio (NOx), precursor do ozônio, gás prejudicial à saúde. E sem a ureia, os níveis emitidos de NOx na P-7 podem ser ainda maiores que hoje, afirma Ferreira. "Mas isso não chega a prejudicar o carro, só a saúde humana, então temo que a ?grita? seja bem menor. Esse assunto quase não tem aparecido até o momento e não foi feita nenhuma regulamentação sobre ele."

Procurada pelo Estado, a Anfavea disse que não iria se pronunciar.

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