Para Benedito Braga, acordos entre países têm sido eficazes, mas há risco de confronto pelo domínio de recursos hídricos
Lucas Frasão, especial para o Estado
SÃO PAULO – Vice-presidente do Conselho Mundial da Água, organizador do Fórum Mundial da Água, Benedito Carvalho defende a "gestão eficiente dos recursos hídricos do planeta" e diz que, se isso não for feito agora, a escassez de água potável poderá gerar conflitos em um "futuro próximo".
Braga alerta que os investimentos para garantir acesso a água e saneamento têm ficado aquém dos compromissos assumidos pelos países até 2015 nas Metas do Milênio. Integrante da diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA), ele afirma que o Brasil não deve atingir a meta de saneamento, como a maioria dos países em desenvolvimento que assinaram o documento das Nações Unidas.
Apesar disso, o professor licenciado de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) revela otimismo em relação ao futuro. "Acredito na ciência e na tecnologia."
De que forma a crise mundial influencia a discussão sobre a escassez de água potável no mundo?
Fazer uma correlação implica especulação. Mas podemos dizer que a globalização tem impacto direto na gestão de águas. Importar e exportar alimentos significa levar água de um país para o outro, mesmo que indiretamente. É a chamada água virtual. Em vez de dessalinizar a água, irrigar o deserto e produzir grãos, como trigo, a Arábia Saudita prefere importar a água virtual de países com melhores condições hidrológicas, como o Brasil e a Argentina. Na verdade, a crise minimiza o problema, ao diminuir a demanda.
A água já ganhou status político tão poderoso como o do petróleo?
Não diria como o petróleo, mas a água já atingiu um nível político importante, em todos os países. Prova disso é a grande quantidade de chefes de Estado presentes no Fórum Mundial da Água de Istambul. Se considerarmos que não há substitutos para a água, essa importância poderia ir além do petróleo, que pode ser trocado, por exemplo, pelo etanol. A água é vital.
O tratamento da água como commodity ajuda na sua preservação?
A pergunta é boa, mas difícil de responder. A água tem valor econômico, sim. No Brasil, inclusive, isso está sedimentado na Lei das Águas, de 1997. Considero que algo que tem valor econômico, em geral, é utilizado de forma parcimoniosa. Quando a água adquire valor, ela começa a ser utilizada de forma mais eficiente. Por consequência, parece lógico que haverá melhor conservação.
O tema do fórum de Istambul sugere a superação de problemas de água em regiões transfronteiriças. A escassez pode aumentar riscos de conflitos. Como lidar com isso?
A gestão transfronteiriça é importante para evitar conflitos, até no Brasil. Compartilhamos a Bacia Amazônica com oito vizinhos e a do Prata com mais quatro. Na África, o Rio Nilo serve mais dez países. No Oriente Médio, os Rios Tigre e Eufrates passam pela Turquia, Iraque e Síria, região complexa, não só do ponto de vista hídrico. Em todos esses exemplos, há acordos de cooperação. Na América do Sul, existe uma discussão sobre a Bacia do Prata desde a década de 1970. E, hoje, uma comissão se reúne regularmente para discutir políticas para o Rio Nilo. A história mostra que conflitos são raros. As supostas discussões das guerras pela água ainda não têm substrato técnico seguro. Podemos prever, porém, que, se não houver gestão eficiente dos recursos hídricos do planeta, teremos conflitos em um futuro próximo.
O Brasil tem uma comitiva com 150 pessoas no fórum. Como elas poderão aplicar, localmente, aquilo que for apontado no encontro?
O objetivo é justamente trazer as soluções para o nível local. A delegação brasileira levou cientistas e políticos. Na comitiva da ANA há seis senadores, dez deputados federais, um número enorme de prefeitos e secretários de Estado. São pessoas que podem influenciar outras, depois. O tema do direito à água, por exemplo, foi muito debatido no Fórum do México, em 2006, e hoje já começa a ser debatido entre nossos parlamentares.
O senhor acha que os países já inserem a água em suas agendas políticas de maneira satisfatória?
Há iniciativas importantes em países chave, mas o caminho a percorrer é longo. O Brasil desponta nesse sentido. O México tem um sistema sofisticado e a França inovou na gestão de bacias hidrográficas. Mas os países do sudeste da Ásia e os africanos, com exceção da África do Sul, ainda não se desenvolveram. Considerando a distribuição de água potável, a questão do saneamento e outros usos, como a navegação, a irrigação e geração de energia, ainda há muito para se fazer.
Os países têm até 2015 para cumprir as Metas do Milênio criadas pela ONU em 2000. O sr. acredita que o Brasil vai cumprir as metas?
Em 2000, os países colocaram como meta reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso a água e saneamento. Acontece que os investimentos nesses setores não estão à altura dos compromissos. É uma situação alarmante. O Brasil deve atingir as metas em termos de água potável. Mas não na questão do saneamento, assim como a maioria dos países em desenvolvimento que assinaram o documento.
O programa do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fala muito em energia renovável e pouco na questão da água. Faltou dar mais atenção a esse assunto?
Os EUA já desenvolveram todo o seu potencial hidrelétrico. O grande problema que enfrentam hoje é a mudança climática. A Califórnia, por exemplo, depende bastante da água de degelo das montanhas nevadas. Se a temperatura média aumentar, eles terão um grande problema. Ocorre que, nos EUA, todos os rios são estaduais. E o governo federal tem pouca ação no tema da água. Há problemas que os governadores estão encarregados de resolver. Talvez por isso o programa de Obama não se refira diretamente à água.
Pacotes bilionários foram criados para frear a crise mundial. É possível citar um exemplo de iniciativa bilionária criada em prol da água?
Não. Quem sofre efetivamente são os pobres, que não têm acesso a água potável. Esse é o problema que pede investimentos de bilhões. Mas só teremos um pacote bilionário se houver interesse dos ricos. Uma saída seria criar um fundo internacional para estimular companhias de saneamento a trabalharem em países pobres. Todos ganhariam.
A humanidade precisa abrir mão de algum hábito para salvar a água potável no planeta?
Acredito que não seja questão de abrir mão. Sou muito otimista em relação ao futuro. Acredito na ciência e na tecnologia. Malthus (Thomas Robert Malthus, 1766-1834) dizia que estávamos perdidos porque os recursos cresciam linearmente enquanto a população crescia exponencialmente. Mas, hoje, conseguimos alimentar uma população muito maior do que a que ele imaginava. Só temos de usar os recursos hídricos de forma eficaz.
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