Recuperação de córrego na Coréia do Sul vira modelo de prática de gestão sustentável em grandes cidades

 

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Foto:w00kie/Flickr

 

Dois anos e três meses. Esse foi o tempo necessário para que a cidade de Seul, capital da Coréia do Sul, passasse por uma verdadeira revolução ambiental, social e visual. Com 10 milhões de habitantes condensados em uma área de 600 km2 – o equivalente a menos da metade do tamanho da capital paulista – Seul orgulha-se hoje de ter como cartão postal um córrego que já foi, no início do século XX, foco de transmissão de doenças e de estímulo à criminalidade, e, até o final dos anos 1990, uma grande avenida de concreto. Trata-se do Córrego Cheong Gye Cheon, de 13 km de extensão, cuja recuperação levou o responsável pela iniciativa a ganhar a eleição para a Prefeitura de Seul e, em dezembro de 2008, a Presidência da Coréia do Sul.

A bem-sucedida história do renascimento do córrego em Seul motivou a criação do projeto Rios de São Paulo que, entre outras ações, promoveu um seminário nesta terça-feira (14/4) no anfiteatro da Escola Politécnica da USP.  A iniciativa é da Rede Globo, por meio do projeto Globo Universidade. Participaram da discussão os professores Carlos Eduardo Morelli Tucci, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Mario Thadeu Leme de Barros, da USP, da secretária de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, Dima Pena, mediados pelo jornalista Carlos Tramontina.

Mas o grande destaque do evento foi a apresentação do assistente do prefeito de Seul para assuntos relacionados à infraestrutura urbana, In-Keun Lee. Ele foi diretor geral do projeto de recuperação do Córrego Cheong Gye Cheon, que começou a ser elaborado em 2002. “O interesse das pessoas mudou, a qualidade de vida e a sustentabilidade ganharam força, e o projeto de revitalização do córrego é o que melhor representa essa tendência em nosso país”, resumiu.

No início do século XX, o retrato do córrego Cheong Gye Cheon era muito parecido com o que vemos hoje nos dois grandes rios que cortam São Paulo, o Tietê e o Pinheiros: poluição,  esgoto a céu aberto, moradias precárias nas várzeas, com lixos por todos os lados. Nos anos 1950, com o agravamento do problema, a solução adotada foi o fechamento total do córrego, idéia que também já passou pela cabeça de políticos paulistanos. E, nos anos 1990, além da grande avenida por toda a extensão, foram construídas quatro pistas em um elevado  de concreto. O resultado foi o estímulo ao transporte individual, já que o sistema viário permitia a circulação de 700 mil carros por dia, e ao comércio local. Cerca de 100 mil lojas e 200 mil trabalhadores viviam às margens da avenida.

Mas os problemas de infiltração que ameaçavam a segurança da obra viária obrigaram os governos locais a repensar o espaço na capital coreana. Em 2002, um dos candidato à prefeito de Seul lançou o projeto de recuperação do córrego como sua principal bandeira na campanha eleitoral. Ele venceu a eleição e, no mês seguinte, teve início o planejametno das obras. “Foi uma grande mudança de paradigma na gestão da cidade. Os focos passaram a ser a qualidade de vida, a segurança, a sustentabilidade. Além disso, a volta do córrego seria também a valorização do centro e a redescoberta das nossas raízes”, justificou Lee.

À meia-noite do primeiro dia de julho de 2003 o tráfego em 5,4 km da avenida foi interrompido e o elevado começou a ser demolido. Foi utilizada tecnologia de ponta para que a demolição ocorresse sem ruídos ou poeira e todo o asfalto retirado foi reaproveitado. Durante o processo, foi feito um concurso de design de pontes e foram sendo plantadas flores silvestres durante toda a extensão. Em junho de 2005, a água foi novamente injetada no córrego e, em outubro do mesmo ano – com nenhum dia de atraso no cronograma previsto – foi inaugurado o novo córrego Cheong Gye Cheon. Do começo ao fim, o projeto custou US$ 380 milhões. E os resultados impressionam: houve uma redução da temperatura de 3,6 graus na área, queda de 38% nas emissões de poluentes, valorização dos imóveis no entorno e um aumento de 4 para 25 espécies de peixes e de 6 para 36 espécies de aves. Além disso, graças ao incentivo ao transporte coletivo, aumentou em 9,6% o uso do ônibus e em 2,4% do metrô. “Essa é uma prova de solução de conflitos por meio de um projeto de política pública. E mostra que não é preciso muito dinheiro, basta vontade política e coragem”, completou Lee.

A realidade brasileira

O exemplo do córrego Cheong Gye Cheon causa admiração uma pontinha de inveja nos paulistanos, que lamentam as péssimas condições dos rios Tietê e Pinheiros. Quando questionada sobre a viabilidade de um projeto semelhante ao coreano, a secretária Dilma Penna argumentou que, em São Paulo, um dos grandes entraves é a grande quantidade de famílias que vivem às margens dos rios, hoje estimada em 3 mil. “Não dá para pensar em resultados visíveis em menos de 5 ou 10 anos”, admitiu a secretária.

Carlos Eduardo Morelli Tucci, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concordou que a questão do reassentamento é um entrave, justamente pelo alto custo da construção de novas habitações. Mas, durante sua apresentação, criticou a falta de interesse político pela despoluição dos rios: “As cidades brasileiras hoje estão na UTI da gestão! Tudo é muito desintegrado, fragmentado. Em São Paulo, o desenvolvimento irregular na periferia provocou forte impacto nas áreas de mananciais. E, para piorar, nossa engenharia de drenagem é anterior ao que se fazia nos anos 1970. Estamos muito atrasados”.

Professor Tucci também defendeu a criação de metas de eficiência para as cidades e listou desafios que precisam ser enfrentados, tais como a elaboração de um plano de investimento federal e estadual integrado aos planos de bacia. “Estamos muito distantes, por exemplo, das Metas do Milênio estabelecidas pela ONU para 2015. Não vamos cumprí-las”, concluiu.

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