CLÓVIS ROSSI
A gripe, o enxofre, o bolso, a vida
SÃO PAULO – Existe no ar de todas as cidades brasileiras um agente muito mais assassino do que o vírus H1N1, mas que merece até proteção das autoridades.
Chama-se enxofre, do tipo altamente poluente usado nos veículos brasileiros. Como é do hábito tapuia, aqui a concentração de enxofre no diesel é obscenamente mais elevada até mesmo do que em alguns países da América Latina, região que está longe de ser um paradigma . Aqui, a concentração é de 2.000 PPM contra 15 nos Estados Unidos, por exemplo.
Mata 3.000 pessoas por ano na cidade de São Paulo, pela contabilidade de Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo.
Que mata foi reconhecido pelas autoridades, dado que uma resolução já antiga (2002) do Conselho Nacional do Meio Ambiente obrigava a Petrobras a reduzir a concentração de enxofre a partir de janeiro deste ano. Logo, as indústrias automobilísticas deveriam pôr na rua veículos adaptados para o combustível menos sujo.
De acordo com outro hábito tapuia, a indústria automobilística até produz motores prontos para o diesel menos mortal. Mas só para exportação. Quem manda não termos todos olhos azuis?
Recursos daqui e dali contra a data (só contra ela, não contra o caráter assassino do diesel aqui usado), e a resolução do Conama foi jogada para 2014. Ou seja, concedeu-se licença para matar por mais cinco anos. Oficialmente.
Novos recursos para antecipar a vigência do combustível menos poluente -e eis que sai a sentença do juiz Marcus Vinicius Kiyoshi Onodera, da 2ª Vara da Fazenda de São Paulo: nada de antecipar nada. O principal motivo alegado é que "a última e recente crise econômica afetou de forma profunda esse setor da economia", referindo-se à indústria automobilística.
Então, tá. A vida não é nada. O lucro é sagrado.
crossi@uol.com.br