“Técnicos divergem sobre carona solidária” – Folha de S.Paulo

 

Para consultor, tendência de viajar sozinho é preocupante; engenheiro insiste que a solução é investir em transporte público

Grupos que organizam carona dizem que procura ainda é muito baixa; em site, dos 500 cadastrados, 250 são de São Paulo

DA REPORTAGEM LOCAL

Em dez anos, a taxa de ocupação dos automóveis particulares em São Paulo caiu 5% -de 1,5 para 1,4 passageiro por veículo. Significa que, além do número de automóveis, a quantidade de motoristas que não leva ninguém também cresceu.

A tendência ao uso individualista do carro é considerada preocupante por especialistas. "É uma tendência burra, contrária a uma visão de cidade solidária", diz o ex-técnico do Metrô Luis Otávio Calagian, hoje consultor independente.

Eles se dividem, porém, entre os que consideram esse individualismo uma consequência da deterioração das condições de mobilidade na cidade e os que o veem também como causa do problema, a ser combatida com ações específicas.

"Carona solidária é uma boa ideia, mas não boto muita fé [que melhore o trânsito]. O que tira o cidadão do automóvel é transporte público e tornar a viagem cada vez mais cara [aumentar estacionamento]", diz o engenheiro de transportes da USP Jaime Waisman.

Já Calagian considera necessário, além dessas políticas, ações do poder público e da sociedade civil para fomentar a carona. "É preciso propaganda e campanhas educativas, para mostrar que a forma atual de usar o carro é uma idiotice".

Para Waisman, a carona solidária jamais terá grande abrangência. "Colegas de trabalho podem até ir juntos, mas, e a volta? Alguém sempre sobra", diz ele, entusiasta, entretanto, das redes de carona entre pais de alunos. "Essa funciona, porque concilia os interesses de todos. E ajuda o trânsito."

Sem rede

Não faltam, na internet, opções de sites que cadastram origens, trajetos e destinos de pessoas dispostas a dar e pegar carona. Mas a rede ainda não é capaz de fazer com que parte expressiva dos motoristas partilhe o carro ou deixe-o em casa.

Criador do Caroneiros.com em 2007, primeiro site de oferta e procura de caronas do país, o analista de sistemas Rafael Chagas diz que, dos cerca de 500 "caronistas" cadastrados, 250 são de São Paulo (56% dos trajetos são dentro da capital). Desses, só um terço são pessoas se oferecendo para dar carona.

O número ainda é insignificante frente às 4,6 milhões de viagens diárias de carro na cidade -fica longe, por exemplo, das 2.890 viagens que acontecem diariamente no distrito menos movimentado da capital (Marsilac, no extremo sul).

Criador do Urbanias, site que dá informações sobre trânsito, Ricardo Joseph diz que um cadastro de interessados em caronas criado pelo site, no início do ano, até agora não atraiu "nem cem pessoas".

"Preocupação com a segurança é uma desculpa fácil [para não dar/pegar carona]. As pessoas não abrem mão de escolher a hora que querem sair de casa, não querem ir para o trabalho conversando com quem não conhecem ou ouvindo música que não gostam."

O professor Waisman, porém, não minimiza os riscos em relação à segurança ligados à ideia. "Um único caso trágico já faria um revertério [à carona solidária]."

(RICARDO SANGIOVANNI)

 

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