Aproveitamento de automóveis fora de uso: Brasil é 3º mundo
Nestes tempos em que a sustentabilidade ambiental se tornou predicado dos mais valorizados entre as ações das empresas, a reciclagem ganha força ainda maior como alicerce de um presente ecologicamente responsável. No entanto, se o País tem ótimas marcas no que diz respeito ao reaproveitamento do alumínio e outros materiais, o mesmo não pode ser dito em relação aos automóveis.
Segundo estimativa do Sindinesfa (Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não-Ferrosa), apenas 1,5% da frota brasileira que sai de circulação vai para a reciclagem. Para se ter uma ideia do atraso do Brasil nesta questão, a reciclagem chega a 95% dos carros fabricados na Europa e nos Estados Unidos.
Outro exemplo que demonstra este atraso é que, segundo o Sindinesfa, os veículos que vão para a reciclagem aqui já têm, em média, mais de 20 anos de uso. Não chega a ser surpresa num país em que a idade média da frota é de nove anos (segundo dados da Gipa, órgão internacional que realiza pesquisa de pós-venda). E, segundo o Sindirepa-SP (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios), 57% dos veículos em circulação já passaram dos 100 mil quilômetros rodados.
O resultado dessa combinação de fatores negativos é que temos uma frota envelhecida rodando nas ruas, sem a manutenção adequada, com maior tendência a provocar acidentes de trânsito e engarrafamentos. E, quando os veículos são descartados, acabam indo para o lixo, piorando sensivelmente a poluição ambiental. Mas precisa ser assim?
Legislações específicas no exterior
Para não ficar apenas nos exemplos de Estados Unidos e Europa, podemos apontar que, no Japão, mais de 70% do material empregado na produção de veículos da Nissan é reutilizado. Entre os acessórios reciclados, destacam-se os air-bags, que chegam a taxas de reciclagem de mais de 90%.
Agindo desta forma, a montadora está simplesmente cumprindo com as determinações da Lei de Reciclagem de Automóveis do Japão, que estipula meta de reciclagem em 70% até o ano de 2015.
Em outros países desenvolvidos, os bons índices de reciclagem de automóveis estão ligados a legislações exigentes quanto às questões ambientais. É o caso da ELV (End of Life Vehicles – lei de reciclagem de veículos), vigente na União Europeia. Até 2015, a ELV exige uma reciclagem de 95% do veículo. Como, na Europa, as próprias montadoras têm a responsabilidade de reciclar os automóveis que produzem, as fábricas são estimuladas, cada vez mais, a utilizar materiais que facilitem o processo de reaproveitamento.
Centros especializados em reciclagem
E no Brasil? Aqui, a reciclagem de veículos ainda engatinha, principalmente porque não há legislação específica exigindo o processo. Como não há obrigatoriedade, os veículos acabam sendo descartados em desmanches e depósitos, ficando expostos às intempéries e perdendo a possibilidade de terem suas peças reutilizadas.
Outro obstáculo para a consolidação de uma cultura de reciclagem de veículos no País é a ausência de empresas especializadas nesta atividade. Um problema que já deixou de existir na nossa vizinha Argentina, onde um centro de reciclagem é um exemplo bem-sucedido de tratamento de veículos fora de uso, produzindo peças a partir do desmanche legalizado de 250 automóveis por mês. Com isto, a recicladora já comercializou mais de 25 mil peças reaproveitadas desde 2005; autopeças que, de outra forma, acabariam formando montanhas de lixo poluente.
Além do meio ambiente, o consumidor é beneficiado, porque a peça reciclada ou reaproveitada acaba custando, em média, 30% a menos que a peça comercializada na concessionária. Exemplo semelhante vem da Espanha, uma iniciativa que surgiu em 1998 como consequência do empenho em melhorar o aproveitamento dos sinistros de indenização integral e, também, contribuir para a preservação do meio ambiente. A atividade segue uma lei de 2002, que exige que os veículos fora de uso sejam enviados para centros autorizados de tratamento.
Etapas do tratamento de peças
Nesses centros de reciclagem, as peças passam pelas seguintes etapas:
• Descontaminação – Retirada de todos os fluidos, gases e elementos com potencial de contaminação.
• Análise da reutilização – Escolha de quais peças poderão ser aproveitadas no reparo de outro veículo.
• Reciclagem – Peças que não podem ser reutilizadas vão para a reciclagem, para passar por processo de retífica ou para que suas matérias-primas sejam aproveitadas na fabricação de novos produtos.
• Estoque – As peças são identificadas, embaladas e estocadas num armazém informatizado.
País tem condições de tratar peças
Assim como acontece na Argentina e na Espanha, o Brasil tem todas as condições de desenvolver centros de tratamento de veículos, que seriam exemplos de desmanches legais, atuando na reciclagem e no reaproveitamento de peças de veículos fora de uso.
O Cesvi Brasil tem know-how para exercer esta atividade, mas precisaria de investimento para levantar as instalações, padronizar os processos e treinar os profissionais envolvidos.
Reciclando vidros
Um esforço viável de reciclagem, pelo menos parcial, de veículos vem de uma empresa parceira do Cesvi Brasil, a Carglass, que realiza reciclagem de determinados materiais, com ênfase nos vidros automotivos.
Com seu projeto Ecoglass, a empresa executa um trabalho que começa com a separação de materiais que podem ser reciclados ou não. A separação prévia dos resíduos recicláveis é feita com coletores específicos, sendo que cada um possui uma cor. São separados nas lixeiras materiais como papel, metal, plástico e vidro. O segundo passo é a divulgação e distribuição das lixeiras em lojas e afiliados.
Toda a verba arrecadada com o projeto Ecoglass é destinada para ações ou projetos ecologicamente corretos, engajados na sociedade.
Aumenta a importância da manutenção
Uma cultura consistente de reciclagem de veículos deveria estar associada a uma prática consolidada de renovação da frota, para que saíssem de circulação as verdadeiras “carroças” que provocam acidentes e atrapalham o trânsito.
Só na cidade de São Paulo, onde circulam cerca de 6 milhões de veículos diariamente, há mais de 400 remoções de veículos das ruas todos os dias, porque têm qualquer problema de manutenção que os impede de continuar rodando. Segundo dados da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), em um mês, são retirados das ruas paulistanas mais de 9.100 veículos por causa de falhas mecânicas, outros 1.800 por panes elétricas, e mais de 100 em função de panes secas. São quebras que pioram ainda mais as condições de tráfego em horários de pico, que registram velocidade média de 25 km/h. E são todos problemas mais recorrentes em veículos com mais de cinco anos de uso.
Como a renovação de frota é uma questão que depende de muitas circunstâncias econômicas e não parece uma realidade próxima, torna-se imprescindível investir no conceito da manutenção preventiva (uma questão que ganha ênfase ainda maior com a implantação da inspeção técnica veicular), como o faz a campanha Carro 100%, uma realização do IQA (Instituto da Qualidade Automotiva), com coordenação do GMA (Grupo de Manutenção Automotiva) e outras entidades ligadas a autopeças e reparação. A campanha procura conscientizar o proprietário de veículo sobre a importância da manutenção preventiva e seus benefícios, tanto para a segurança e para o meio ambiente quanto para o bolso do consumidor (é até um clichê, lembrar que a manutenção preventiva é muito mais barata que a corretiva).
O Cesvi Brasil manifesta total apoio a essa campanha (cujos detalhes podem ser conferidos no site www.carro100.com.br) e mantém sua expectativa quanto ao dia em que a reciclagem de veículos será uma realidade no País assim como acontece em outras partes do mundo. Para se tornar um país desenvolvido, não basta querer ser parecido; é preciso agir como um. O meio ambiente, do qual fazemos parte e onde respiramos e vivemos nossas vidas, certamente agradeceria.
Efeitos diretos e indiretos da reciclagem
Uma reciclagem de veículos sistêmica e consistente teria um impacto significativo no mercado automotivo. A possibilidade de contar com peças recicladas, a um custo menor que o das peças novas, permitiria uma situação mais atraente para a manutenção de veículos mais antigos, ou ainda no desenvolvimento de um seguro de automóveis diferenciado; ou seja um seguro popular/verde/ecológico, pelo qual peças recicladas poderiam ser aplicadas no reparo, viabilizando o custo para modelos mais antigos, ampliando a frota segurada.
Segurança pública
Outro efeito significativo é que a criação de centros de tratamento de veículos fora de uso, que comercializassem peças de veículos com procedência e rastreabilidade, a um custo competitivo, tiraria o apelo forte contra os desmanches ilegais, que são os principais destinos dos veículos roubados e furtados no País. Para se ter uma ideia, o índice de roubo e furto de veículos na cidade de Buenos Aires caiu 70% com a consolidação do centro argentino de tratamento de peças.