Reportagem fez o teste nos 93 distritos policiais da cidade e avaliou atendimento e infraestrutura
Marici Capitelli e Felipe Oda, do Jornal da Tarde
SÃO PAULO – O tempo de espera para registrar um boletim de ocorrência é de no mínimo três horas em 71% das delegacias da capital paulista, segundo levantamento feito pela reportagem. Em alguns casos, a demora pode ultrapassar oito horas. Um BO deveria ser feito em até 40 minutos, conforme especialistas em segurança. Além da perda de tempo, as pessoas que necessitam dos serviços dos distritos policiais sofrem com o mau atendimento de escrivães, investigadores e até dos delegados.
Em dez dias, foram visitados os 93 DPs de São Paulo. Solicitou-se o registro simples de uma ocorrência fictícia: a morte de um cachorro que teria sido envenenado pelo vizinho. Em nenhum dos distritos a reportagem concluiu o registro, o que poderia caracterizar falsa comunicação de crime.
O Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap) admite a má qualidade no atendimento das delegacias. O órgão promete adotar nova forma de trabalho nos distritos, a partir de 13 de outubro. A longa espera acontece, na maioria das vezes, em ambientes desconfortáveis. Em metade das delegacias falta privacidade, os banheiros são sujos e os móveis estão quebrados.
Mas nada supera o despreparo dos funcionários. Eles criam todo tipo de obstáculo para registrar as ocorrências e desestimulam a notificação, o que compromete as estatísticas criminais. Uma das estratégias adotadas foi despachar a reportagem para distritos vizinhos. Alegaram que a vítima não estava na unidade certa ou que as delegacias próximas eram mais vazias. Houve funcionários que exigiram nomes de suspeitos e até laudos.
A reportagem também flagrou casos de tratamento inadequado. No 101º DP (Jardim das Imbuias), uma mulher perguntou ao escrivão se havia bebedouro no local. "Tem sim, atravessa a rua e vai comprar água na padaria", disse o servidor, que acabara de voltar do almoço – de uma hora e meia. Nesse período, o distrito ficou sem atendente.
Flagrantes
Em todas as delegacias, o motivo apontado pelos funcionários para a demora no atendimento foi um "flagrante da Polícia Militar". Às 14h30, no 15º DP (Itaim-Bibi), um funcionário despachava todos que buscavam atendimento. "Estamos com dois flagrantes e um ato infracional. Volte depois das 21 horas ou amanhã", dizia.
No 102º DP (Socorro), a resposta era a mesma às 17 horas. "Nem terminamos o flagrante da PM." Outro problema foi a interrupção de atendimento entre 13 e 15 horas para o almoço do escrivão. "Há cinco ocorrências na sua frente e ele ainda vai parar para almoçar. Por isso não tem previsão para te atender", informou uma funcionária do 90º DP (Parque Novo Mundo).
Na maioria dos casos, a partir das 18 horas, mesmo se a delegacia estiver vazia, é difícil conseguir fazer o BO antes das 20 horas, quando há troca de plantão. A rede fora do ar também dificulta o atendimento. Em um único dia, seis delegacias do extremo da zona sul estavam sem sistema.
Além disso, os funcionários desencorajam as pessoas a registrar a ocorrência. "Não temos tempo nem de investigar homicídio, você acha que vamos atrás de assassinato de cachorro?", disse o escrivão do 29º DP (Vila Diva). No 3º DP (Campos Elísios), o funcionário afirmou que ninguém registraria esse tipo de ocorrência.
Como registrar
1. Ocorrências podem ser registradas em qualquer delegacia. Não é preciso ir ao distrito próximo de onde aconteceu o fato
2. Se um crime ocorreu em São Paulo, mas a vítima mora no ABC, ela tem direito de registrar no distrito de sua cidade
3. Funcionários não podem mandar a vítima procurar outro DP
4. Também não se deve impor condições para o registro do BO, como, por exemplo, a apresentação de provas e testemunhas
NO CENTRO
Cortesia é regra, mas não existe
Dos dez distritos centrais procurados, em seis o BO seria feito. Porém, em dois em que a ocorrência não seria registrada, a reportagem foi maltratada. "Pode ir em qualquer DP que o delegado vai mandá-lo a m…", disse um funcionário do 3.º DP (Campos Elísios). Já no 77.º DP (Santa Cecília), o atendente se revoltou ao saber que a "vítima" era um cão. "Tá pensando o quê? Aqui não registra. Isso é coisa de Zoonoses (seção da Prefeitura). Tem todo um processo até uma ocorrência dessas chegar ao DP." O atendimento foi muito diferente no 1.º DP (Liberdade), no 4.º DP (Consolação) e no 6.º DP (Cambuci), onde a reportagem foi bem recebida e os funcionários explicaram como e o que poderia ser registrado.
ZONA SUL
Ironia e banho de sol
"Só registramos ocorrência de gente. Procure a Zoonoses", disse um funcionário do 100.º DP (Jardim Herculano). No 101.º DP (Jardim das Imbuias), o escrivão ironizou. "Envenenaram seu cachorrinho, é? Só que na delegacia não se registra morte de cachorro." No 25.º DP (Parelheiros), dois funcionários tomavam sol em um banco na porta do distrito, e ali ficaram: "Por que não faz uma investigação por conta própria?" Mesmo com delegacia vazia, às 15h, no Itaim-Bibi (15.º DP) o escrivão pedia que voltassem após as 21h. "Estamos com dois flagrantes e um ato infracional." No 16.º DP (Vila Clementino), só para chegar ao balcão demorou meia hora.
ZONA LESTE
Laudo e gente muito ocupada
Das 30 delegacias da região, a reportagem não conseguiu registrar a ocorrência em 22. A maioria alegava ocupação com flagrantes. Houve quem mandasse voltar no dia seguinte ou exigisse laudo, o que é inadequado. No 41.º DP (Vila Rica), por 25 minutos não surgiu um só funcionário no balcão de informações. Uma moça cuja casa foi roubada estava no DP havia sete horas, e um rapaz que teve a moto furtada esperava por seis horas. Lotado, o 50.ºDP (Itaim Paulista) ficou sem atendimento por quase duas horas – o escrivão fora almoçar. No 31.º DP (Carrão), às 18h30, a funcionária disse que estava "ocupada": "Volte depois da troca de plantão."
ZONA OESTE
Área concentra boa estrutura
A região concentra os melhores distritos da capital: o 7.º DP (Lapa), o 14.º DP (Pinheiros) e o 23.º DP (Perdizes). Todos têm senha de atendimento, salas de espera confortáveis, banheiros limpos, telefones públicos funcionando, televisor e atendentes atenciosos. Mas a situação muda nas outras cinco delegacias da zona oeste. No 93.º DP (Jaguaré), um funcionário inicialmente disse que a espera era de "até duas horas". Ao saber do que se tratava, aconselhou a reportagem a registrar o boletim em outra unidade. O mesmo se deu no 75.º DP (Jardim Arpoador). Já no 51.º DP (Butantã), os sanitários ficam em área restrita "para as autoridades".
ZONA NORTE
”Sem suspeito, sem chance”
"Qual a sua ocorrência? E a sua minha senhora?", gritava um funcionário do 33.º DP (Pirituba), sem discrição, para todos da fila ouvirem. No 46.º DP (Perus), o atendente repetia: "Sem suspeito, sem chance de registrar o BO." A prática de desestimular o registro se repetiu no 40.º DP (Vila Santa Maria) e no 87.º DP (Vila Pereira Barreto). No 74.º DP (Parada de Taipas), uma funcionária dizia, às 16 horas: "Volta depois das 20 horas ou amanhã. Olha quanta gente na fila." Já no 9.º DP (Carandiru), a estrutura da delegacia e o bom atendimento se destacam. No 45.º DP (Brasilândia), apesar da sala de espera pouco confortável, o atendimento foi excelente.
Leia também: Polícia admite falhas em atendimento" – Estadão.com