Urbanização acelerada gera desigualdade de renda, poluição, discriminação e desastres, diz relatório das Nações Unidas
África e Ásia são as regiões mais afetadas, provocando um aumento da população favelada no mundo; no Brasil, 29% vivem em favelas
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
FÁBIO GRELLET
DA SUCURSAL DO RIO
É um desastre com números apocalípticos. Todo dia 200 mil pessoas deixam o campo e vão para as cidades. É como se um município do tamanho de São Carlos (SP) fosse criado diariamente no mundo. No fim do mês, o resultado desse movimento cria uma cidade do porte do Rio de Janeiro ou de Santiago, com 6 milhões de habitantes. Os dados são do relatório das Nações Unidas-Habitat, divulgado ontem, com o tema "Planejando Cidades Sustentáveis".
A urbanização acelerada do século 21 gera desigualdade de renda, discriminação, poluição e desastres que pouco têm de naturais, segundo a seção da ONU voltada para a questão da moradia. "A urbanização modifica o ambiente e gera novas ameaças, como o desmatamento e instabilidade nas encostas, que resultam em deslizamentos e enchentes", diz o texto.
Desde 1975, o número de desastres naturais cresceu quatro vezes, segundo a ONU.
África e Ásia são as regiões mais afetadas pela urbanização acelerada, de acordo com o relatório, provocando um aumento da população favelada no mundo. Na África subsaariana, 62,2% dos moradores vivem em favelas. Em Serra Leoa, os que vivem em moradas informais compõem 97% da população do país.
Na Ásia, os números são mais contrastados. No Camboja, por exemplo, os favelados correspondem a mais de três quartos da população (78,9%). Já na Tailândia, eles somam cerca de um quarto da população (26%).
A América Latina segue em parte a variação asiática. Enquanto o Chile tem só 9% de população em habitações informais, na Jamaica os favelados são mais de 60%. O Brasil fica no meio do caminho: tem 29% da população vivendo em favelas, segundo os dados da ONU.
Para Alberto Paranhos, oficial principal do escritório regional da ONU para a América Latina e o Caribe, o relatório oferece aos administradores públicos um recado: "Ele diz: "Na hora de planejarem uma cidade, tratem de ver especificamente habitação, transporte e emprego, pois essas são as coisas que vão definir quem fica onde". Uma pessoa se muda de cidade geralmente por conta de trabalho e se instala na cidade em função da oferta de habitação e de transporte", afirma.
Para Raquel Rolnik, professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP e relatora da ONU para a questão do direito à moradia adequada, o problema principal é a relação entre pobreza e a gestão do território. "O planejamento urbano não leva em conta a população mais pobre. Todas as áreas planejadas são voltadas para o mercado imobiliário e para a classe média", afirma.
O Brasil vive uma situação melhor do que a África e a Ásia, segundo ela, porque reconhece o direito à infraestrutura urbana daqueles que ocupam irregularmente um terreno. "O Brasil é vanguarda nessa área", diz. O maior desafio brasileiro, segundo ela, é "como parar a máquina de ocupação territorial irregular, já que urbanização de favela fica ruim".
O governo brasileiro criou o programa Minha Casa, Minha Vida, cuja meta é construir 1 milhão de casas com investimento de R$ 34 bilhões.
"Esse programa tem o grande risco de criar guetos nas áreas mais pobres das cidades. Vão criar casas de pobres na "não cidade", onde não há infraestrutura. Existem ferramentas para evitar isso, mas o governo resiste a usá-las", diz Rolnik.
A secretária nacional de habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, diz que o risco não existe porque o programa só irá financiar imóveis em área com infraestrutura.