O passeio se transformou em uma armadilha. Cabe ao dono do terreno conservar a calçada e a Prefeitura tem de fiscalizar. Isso funciona? O que pode ser feito? Acompanhe a série de reportagens ‘Metrópole a Pé’, que começa hoje
Daniel Gonzales e Naiana Oscar
Se um paulistano determinado resolvesse percorrer cada centímetro de calçadas existentes em São Paulo, ele completaria a missão tendo caminhado o equivalente a uma viagem de ida e volta até a Austrália, em uma extensão de cerca de 30.000 km. Isso, se sobrevivesse aos buracos, postes, placas, degraus, árvores e todo tipo de obstáculo no meio do caminho. Caso não fosse um pedestre tão resignado e resolvesse caminhar só nas calçadas paulistanas que lhe oferecessem um mínimo de conforto e segurança, mal chegaria até o Rio: há pouco mais de 400 km de passeios públicos em boa situação em toda a cidade.
Com exceção dessas calçadas (440 km, reformadas pela Prefeitura entre 2005 e 2008, ou 1,4% do total da cidade), é difícil encontrar na capital algum calçamento que esteja totalmente acessível, sem buracos ou degraus e adequado à legislação. Palavras do próprio governo municipal. Seja nos Jardins ou na periferia, o pedestre paulistano é obrigado a olhar para o chão, e não para o horizonte. Para discutir o problema, o Jornal da Tarde inicia hoje série de reportagens que serão publicadas até sábado: “A Metrópole a Pé”.
Nem quem deveria dar o exemplo mantém as calçadas em bom estado. No centro, em pleno Viaduto do Chá, praticamente na porta da Prefeitura, cinco buracos estão posicionados para levar ao chão um idoso ou torcer o pé de uma mulher distraída com sapato de salto – duas das “vítimas” mais comuns das calçadas, segundo uma pesquisa feita pelo Hospital das Clínicas. Também existe um grande buraco quase na porta do prédio onde funciona o órgão fiscalizador do trânsito da capital, a CET, na Rua Barão de Itapetininga.
As falhas são comuns a um piso do centro, o mosaico português. Todos os 4,7 km dos 20 calçadões centrais são cobertos por ele, cuja utilização em novas calçadas está proibida pela lei municipal, pois as pedras se soltam facilmente sem manutenção. “Andar pelo centro parece uma corrida de obstáculos. Já torci o pé e tenho colegas de trabalho que caíram na calçada”, diz a secretária Roseli Santana, 39.
Mesmo com as calçadas longe do ideal, o centro é considerado pelo presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe), Eduardo Daros, um lugar em que a situação é “menos grave”, já que ali elas são, pelo menos, espaçosas. Daros ressalta que o caos está nos bairros onde o mercado imobiliário preocupa-se em ocupar cada centímetro do terreno, sem dar atenção à calçada. No Tatuapé (zona leste), o JT flagrou obras de prédios de alto padrão, que destruíram as calçadas em frente.
Não é difícil encontrar raízes de árvores que ocupam toda a calçada ou postes localizados no meio do passeio, além de buracos e pisos fora de nível e inadequados, como ladrilhos escorregadios. “É um descaso com o pedestre. Existe preocupação muito maior com o asfalto, para os carros, do que com calçadas, que são de todos”, afirmou a médica Júlia Greve, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da USP. Embora um terço dos deslocamentos paulistanos sejam feitos a pé – são 12,5 milhões de viagens diárias -, entre 2005 e 2009 o município recapeou duas vezes mais ruas e avenidas (905 km) do que reformou calçadas.
Na capital, a obrigação por reformar e cuidar do calçamento é do dono do imóvel em frente. A Prefeitura fiscaliza a manutenção e concentra reformas em vias estruturais. Mas ela pode recuperar calçadas em mau estado e mandar a conta para o dono do terreno.
A CALÇADA IDEAL
>>A legislação municipal e também a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelecem como deve ser uma calçada ideal. Ela deve ter três faixas: de serviço, livre e de acesso, e a inclinação máxima não pode ultrapassar 8%
>>A faixa de serviço deve ter largura mínima de 75 cm e ser mais próxima da rua. Nela, devem ficar postes, árvores, hidrantes etc
>>A faixa livre, com no mínimo 1,20m, é reservada à circulação, enquanto a de acesso, sem largura mínima definida, deve facilitar a entrada nos imóveis
>>O piso deve ser de concreto ou ladrilhos especiais para uso em passeios. Um dos aprovados pela legislação municipal e com uso recomendado é o intertravado. Além de barato, em caso de necessidade de algum serviço no subsolo, ele pode ser desmontado e remontado, sem a necessidade de quebrar a calçada
>>A lei autoriza, ainda, o uso de placas de concreto ou concreto moldado no local e também ladrilhos hidráulicos. É vetado utilizar pisos derivados de porcelana, como os usados em cozinhas e banheiros
>>As esquinas devem estar desobstruídas. O mobiliário urbano de grande porte deve estar a 15 metros do eixo da esquina e o mobiliário de pequeno e médio portes a 5 m.
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