Sustentabilidade – “Distância entre discurso e prática” – O Estado de S.Paulo

 

Brasileiro valoriza sustentabilidade, mas isso ainda não mudou hábitos

Andrea Vialli

O brasileiro tem elevado grau de consciência sobre sustentabilidade, superior ao de moradores de países ricos como Alemanha e Suécia. Ao mesmo tempo, tem grande dificuldade em trazer o conceito para o seu dia a dia e suas decisões de consumo. Escassez de água e poluição ambiental, por exemplo, figuram em terceiro lugar entre as maiores preocupações de 61% da população e só ficam atrás de educação (68%) e crime e violência (72%). Mudanças climáticas e aquecimento global, por sua vez, são motivo de preocupação para 49% dos brasileiros.

Quando a sociedade é questionada sobre suas ações efetivas para proteger o meio ambiente, os números são mais modestos: 27% dos brasileiros reciclam seus resíduos e fazem uso de produtos recicláveis; 20% afirmam conservar árvores; 13% dizem proteger a natureza e apenas 5% controlam o desperdício de água.

Esses dados constam da pesquisa Sustainable Futures 2009, levantamento feito pelo grupo de publicidade Havas no qual foram ouvidas mais de 24 mil pessoas em dez países: Alemanha, Brasil, China, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, México, Reino Unido e Suécia. No Brasil, foram entrevistadas 2.532 pessoas no primeiro semestre de 2009.

O estudo também aponta o brasileiro como um dos mais atentos no mundo às práticas de sustentabilidade das empresas: 86% afirmam estar dispostos a recompensar companhias com boas práticas e 80% dizem punir as que agem de forma irresponsável nas questões socioambientais.

Porta-voz do estudo no País, André Zimmermann acredita que o grau elevado de consciência sobre sustentabilidade pode ser explicado pela presença do tema na mídia e pela percepção de que os recursos naturais são um diferencial do Brasil, considerado um país rico nesse aspecto. "O consumidor daqui se mostrou mais em sintonia com o tema do que os consumidores dos países desenvolvidos."

Outro dado que ampara essa percepção: 64% das pessoas entrevistadas pelo grupo Havas no País afirmam que aceitariam pagar até 10% a mais por um produto feito de modo social e ambientalmente responsável – nos demais países, esse porcentual é de 48%. Outros 84% acreditam que têm o poder de fazer as empresas se comportarem com mais responsabilidade – o índice médio global é de 63%. "O mundo está caminhando nessa direção, mas no Brasil essa tendência é ainda mais clara", diz Zimmermann.

CETICISMO

Há também no País ceticismo em relação à falsa propaganda sobre as atitudes "verdes" das empresas. Para 64% dos brasileiros, elas só investem em sustentabilidade para melhorar sua imagem pública, o que revela desconfiança em relação às marcas. "Os consumidores deixam de ser fiéis às marcas quando acreditam que falta autenticidade da parte delas", diz Zimmermann.

O tom crítico de boa parte dos consumidores em relação às ações sustentáveis das empresas indica que as pessoas não estão vendo correlação entre discurso e prática das corporações, acredita Lisa Gunn, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). "O brasileiro está consciente e cobrando mais ação das empresas, mas a mudança de hábitos não depende só dele", diz.

Lisa afirma que falta informação honesta no ponto de venda, que oriente o consumidor, e sobra publicidade. "Ainda é muito pequena a gama de produtos que trazem um selo independente de eficiência energética, por exemplo. Só este ano alguns veículos começaram a trazer informações sobre o quanto emitem de poluentes. O consumidor fica sem parâmetros para avaliar", diz.

Outro obstáculo para uma ação mais efetiva do consumidor no País é o fato de que produtos "verdes" ou sustentáveis ainda são vistos como nichos de mercado e ficam restritos a consumidores de maior poder aquisitivo. "Muitas empresas fabricam 1% de produto "sustentável" para 99% de produtos "não-sustentáveis". Para mudar isso, o poder público poderia desempenhar um papel de estimulador de um mercado mais responsável", afirma Lisa.

O Instituto Akatu, entidade que incentiva o consumo consciente, realiza desde 2001 pesquisas sobre a percepção do consumidor brasileiro sobre a responsabilidade socioambiental das empresas. O último levantamento, feito pela ONG em 2007, também mostrou que o consumidor desconfia da propaganda verde das empresas.

"Mais da metade deles não acredita no que as empresas estão dizendo", afirma Hélio Mattar, presidente do Akatu. "E isso se reflete na ação, porque a pessoa começa a pensar que seu ato de consumo, sozinho, não faz diferença no mundo."

REDES SOCIAIS

Mattar afirma, no entanto, que um dos motores de mudança de comportamento é o acesso à internet e o fenômeno das redes sociais, que estão transformando o modo como as informações sobre as empresas circulam. "As companhias deixaram de ter controle sobre o que se fala delas, então precisam ser coerentes e aprender a lidar com um consumidor sensível às questões sociais e ambientais, que vai cobrar isso delas."

 

Mudança de comportamento é lenta, aponta estudo

O comportamento dos brasileiros em relação às mudanças climáticas foi tema de um outro estudo, o Barômetro Ambiental 2009, realizado pela Market Analysis, empresa de pesquisa de mercado e opinião. Novamente, o estudo evidenciou o fosso existente entre o grau de consciência dos brasileiros e as atitudes tomadas no dia a dia.

Foram ouvidas 835 pessoas em nove capitais, durante o mês de julho. Para 86% dos brasileiros, o aquecimento global é um problema "muito sério" – no entanto, 27% admitiram não ter feito nada no último ano em termos de redução de impacto ambiental. Em relação aos hábitos cotidianos, 10% reduziram o consumo de energia em casa, 11% economizaram no uso de água, 4% priorizaram o transporte coletivo e apenas 1% dos pesquisados comprou algum item que ajudasse a minimizar as mudanças climáticas, como lâmpadas fluorescentes e eletroeletrônicos de baixo consumo de energia.

Para Fabian Echegaray, diretor da Market Analysis, a ação dos consumidores para reduzir sua pegada ecológica é mais concreta em relação à redução do consumo doméstico de água e energia do que no supermercado. "O consumidor não está entendendo a relação entre seu ato de consumir e sustentabilidade", afirma. Segundo ele, a informação sobre os atributos verdes dos produtos soa hermética para o consumidor. "Em vez de falar das próprias ações de sustentabilidade, as empresas poderiam trazer o conceito para a vida do consumidor e educá-lo."

 

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