“Pintando cérebros” – Folha de S.Paulo

GILBERTO DIMENSTEIN

"Qualidade de vida é, em primeiro lugar, emprego. E, sem boa escola, não existe bom emprego"

O QUE dá voto é obra, certo? Você deve estar imaginando que a resposta é óbvia. As campanhas eleitorais valorizam o político que faz -e o que se faz é, em geral, com cimento.

Numa investigação apoiada pelo Ibope, um documento montado a partir de 36 mil questionários, divulgado na quinta passada, levanta a possibilidade de que talvez a resposta, pelo menos na cidade de São Paulo, não seja tão óbvia assim. Quem sabe, estamos diante de uma mudança e tanto de mentalidade.

A questão mais importante para a qualidade de vida da cidade, muito mais do que as obras bilionárias anunciadas na publicidade oficial, seria investir no cérebro.

Valem mais os neurônios do que o cimento. A tão falada mobilidade, em que aparecem as obras mais visíveis, está longe do primeiro lugar.

Para montar um mapa de indicadores de qualidade de vida da cidade, o Movimento Nossa São Paulo, assessorado pelo Ibope, constatou que o ensino deveria ser a prioridade número zero. Isso significaria, antes de mais nada, a "existência de profissionais qualificados em todas as escolas". Nas respostas a diferentes temas -juventude, desigualdade social, segurança, cultura, criança, assistência social-, entre as várias mensagens, a principal delas é a seguinte: qualidade de vida é, em primeiro lugar, emprego. E, sem boa escola, não existe bom emprego, o que se traduziria em bom professor. O prédio não é, portanto, o que mais importa.

O resultado da pesquisa é coerente com uma série de sinais que se avolumam nos últimos tempos em São Paulo, o que antecipa e reflete as regiões metropolitanas brasileiras.

A Fundação Seade e o Dieese divulgaram, na quinta-feira, a informação de que menos negras se tornam empregadas domésticas porque, com mais escolaridade, preferem outros empregos. Aliás, na cidade, a figura da empregada que dorme em casa (o que, muitas vezes, significa não ter hora para trabalhar) cede lugar para a diarista, quase uma microempresária.

Comentei aqui, na semana passada, que as classes C e D serão, em breve, maioria nas universidades. Uma das mudanças na paisagem paulista são os milhares de jovens que enchem, de noite, salas das escolas estaduais. Antes abandonados, esses espaços são usados para ampliar a matrícula do ensino técnico, cujo vestibular é tão concorrido quanto o das faculdades públicas.

Empresas telefônicas se orientam por pesquisas indicando que uma das maiores ambições dos mais pobres é um computador conectado à internet, ou seja, com banda larga. Isso significa, na visão deles, maior chance de empregabilidade.
Nenhuma matrícula cresce tão rapidamente quanto a do ensino a distância.

Nunca vi tantos eventos ligados à defesa do ensino público realizados em tão pouco tempo -todos com gente que representa um pedaço do PIB brasileiro e da elite acadêmica.

Num espaço de sete dias, houve o lançamento de uma nova campanha do Todos pela Educação, que estabeleceu uma agenda até 2022, quando se comemora o bicentenário da Independência. Empresários e altos executivos que apadrinham colégios públicos fizeram uma festa, relembrando os tempos da "Gallery", para arrecadar fundos. Inspirados na gestão empresarial, eles vêm conseguindo aprimorar o desempenho dos alunos e colocaram como meta chegar a 500 escolas.
Dois bancos (Itaú e Santander) premiaram projetos e experiências. Unicef e prefeitura instalaram um comitê, envolvendo os mais diferentes setores da sociedade, para discutir metas de melhoria para crianças e adolescentes. Um dos focos mais importantes, como não poderia deixar de ser, foi o ensino.

Com uma festa, a Ação Educativa comemorou seus 15 anos de mobilização popular pela melhoria de ensino -eles são um dos líderes da articulação da sociedade para a montagem de um plano municipal da educação, para que toda a cidade acompanhe as metas.
Todas as grandes agências de publicidade, sem exceção, estão envolvidas, em algum nível, nessas campanhas.

A julgar pela forma como os governos se apresentam nas publicidades oficiais, bancadas com dinheiro público, a sociedade se mostra à frente dos seus políticos, presos à lógica do cimento.
A sociedade, pelo jeito, está na frente do que seus políticos, que, podem esperar, vão correr atrás.

PS – A melhor imagem de uma São Paulo que vai nascendo, em meio à ignorância e à violência, acaba de ser produzida e é bem colorida. São os painéis dos grafiteiros espalhados pelo Masp, misturando-se com peças de Rodin, entre as quais a célebre "O pensador". Nessa mistura entre o clássico e o popular, entre a rua e o museu, temos a síntese do que melhor podemos ser quando pintamos não apenas paredes, mas cérebros.

Compartilhe este artigo